sábado, 30 de março de 2013

A natureza da Ressurreição e o seu significado histórico


p/ Maria Vanda A. da Silva
(Ir. Maria Silvia Obl. OSB)
              


A matéria que se expõe a seguir foi colhida da obra Jesus de Nazaré (Parte II), de autoria do insigne Joseph Ratzinger (Papa Emérito Bento XVI ).

Exortamos os visitantes à leitura do título integral que é de imenso proveito. Por motivo de espaço, publicaremos, apenas à apreciação final do Capítulo IX, da obra, feito pelo seu autor.

                             “Numa espécie de síntese, questionemo-nos agora uma vez mais sobre o gênero destes encontros com o Senhor ressuscitado. São importantes as seguintes distinções:

                              - Jesus não é alguém que voltou à vida biológica normal e que depois, segundo as leis da biologia, teve um dia de morrer novamente;

                              - Jesus não é um fantasma (um” espírito”), ou seja, não é alguém que, na realidade pertença ao mundo dos mortos, embora possa de algum modo manifestar-Se no mundo da vida;

                              - Entretanto os encontros com o Ressuscitado são uma realidade distinta das experiências místicas, nas quais o espírito humano é por um momento elevado acima de si mesmo e enxerga o mundo do divino e do eterno. A experiência mística é uma superação momentânea no âmbito da alma e das suas faculdades de percepção; mas não é um encontro com uma pessoa que externamente se aproxima de mim. Paulo distinguiu com grande clareza as suas experiências místicas – como por exemplo a sua elevação até ao terceiro céu, descrita em 2Corintios 12, 1-14 – do encontro com o Ressuscitado no caminho de Damasco, que foi um acontecimento na história, um encontro com uma pessoa viva.


                                Agora, baseado em todas estas informações bíblicas, que poderemos verdadeiramente dizer sobre a natureza peculiar da ressurreição de Cristo?

                                A ressurreição é um acontecimento dentro da história, que, todavia rompe o âmbito da historia e a ultrapassa. Podemos talvez servir-nos de uma linguagem analógica, que permanece sob muitos aspectos inapropriada mas pode abrir um acesso à compreensão. Como já fizemos na primeira secção deste capítulo, podemos considerar a ressurreição uma espécie de salto qualitativo radical em que se entreabre uma nova dimensão da vida, do ser homem.

                                 Sem dúvida, a própria matéria é transformada num novo gênero de realidade. Agora o Homem Jesus, precisamente com o seu próprio corpo, pertence totalmente à esfera do divino, do eterno. Doravante – disse uma vez Tertuliano- espírito e sangue”têm um lugar em Deus (cf. De Ressurect. Mort., 51,3: CCL, II, 994). Embora o homem, segundo a sua natureza, seja criado para a imortalidade, só agora existe o lugar onde a sua alma imortal encontra espaço, aquela “corporeidade” na qual a imortalidade recebe sentido como comunhão com Deus e com toda a humanidade reconciliada. As Cartas (de São Paulo na prisão aos Colossenses (cf. 1, 12-23) e aos Efésios (cf.1,3-23) pressupõem isto quando falam do corpo cósmico de Cristo, indicando assim o Seu corpo transformado é também lugar onde os homens entram em comunhão com Deus e entre si; e, deste modo, podem viver definitivamente na plenitude da vida indestrutível. Dado que nós mesmos não possuímos qualquer experiências de um tal g6enero renovado e transformado de materialidade e de ida, não devemos admirar-nos com o facto de isso ultrapassar aquilo que podemos imaginar.

                                  Essencial é o dado de que, com a ressurreição de Jesus, não foi revitalizado um indivíduo qualquer morto num determinado momento, mas se verificou um saldo ontológico que toca o ser enquanto tal, foi inaugurada uma dimensão que nos interessa a todos e que criou, para todos nós um novo âmbito da vida: o estar com Deus.

                                 A partir daí é preciso enfrentar a questão da ressurreição como acontecimento histórico. Por uma um lado, temos de dizer que a essência da ressurreição está no fato dela romper a história e inaugurar uma nova dimensão a que, habitualmente, chamamos de dimensão escatológica. A ressurreição descerra o espaço novo que abre a história para além de si mesma e cria o definitivo. Nesse sentido, é verdade que a ressurreição não é um acontecimento histórico do mesmo gênero que o nascimento e a crucificação de Jesus. É algo novo, um g6nero novo de acontecimento.

                                Ao mesmo tempo, porém, é preciso não esquecer que ela não está simplesmente fora ou acima da história. Como erupção para fora da história e par alem dela, a ressurreição tem contudo o seu início na própria história e até certo ponto pertence-lhe. Talvez se pudesse exprimir tudo isto assim: a ressurreição de Jesus ultrapassa a história, mas deixou o seu rastro na história. Por isso pode ser atestada por testemunhas como um acontecimento de uma qualidade completamente nova.

                              De facto, o anúncio apostólico, com o seu entusiasmo e a sua audácia, é inconcebível sem um contato real das testemunhas com o fenômeno totalmente novo e inesperado que as tocou externamente e que consistiu na manifestação e na fala de Cristo ressuscitado. Só um acontecimento real de uma qualidade radicalmente nova era capaz de tornar possível o anúncio apostólico, que não se pode explicar através de especulações ou e experiências interiores, místicas. Na sua audácia e novidade, o referido anúncio ganha vida a partir da força impetuosa de um acontecimento que ninguém tinha ideado e que ultrapassava toda a imaginação.

                            Mas, no fim, permanece para todos nós a pergunta que Judas Tadeu dirigiu a Jesus no Cenáculo: “Porque te hás-de manifestar a nós e não te manifestarás ao mundo?”(Jo 14,22). Sim, tal é a pergunta que gostaríamos de lhe fazer: porque é que não Te opusestes com fora aos teus inimigos que Te levaram à cruz? Porque não lhes demonstrastes, com vigor irrecusável, que tu és o Vivente, o Senhor da vida e da morte? Porque é que Te mostrastes apenas a um pequeno grupo de discípulos, em cujo testemunho temos agora de nos fiar?

                           A pergunta, porém, diz respeito não só a ressurreição, mas também a tôo o modo como Deus Se revela ao mundo. Porque só a Abraão e porque não aos poderosos do mundo? Porquê só a Israel , e não de modo indiscutível a todos os povos da terra?

                          É próprio do mistério de Deus agir desse modo suave. Só pouco a pouco é que Ele constrói na grande história da humanidade a sua história. Torna-Se homem, mas de modo a poder ser ignorado pelos contemporâneos, pela força respeitáveis da história. Padece e morre e, como ressuscitado , quer chegar à humanidade apenas através da fé dos seus, aos quais Se manifesta. Sem cessar, Ele bate suavement4 às portas de nossos corações e, se Lhas abrimos, lentamente vai-nos tornanado capazes de “‘ver”.

                         E, contudo, não é precisamente este o estilo divino? Não se impor pela força exterior, mas dar liberdade, conceder e suscitar amor. E, pensando bem, o aparentemente mais pequenino não é realmente grande? Porventura não irradia de Jesus um raio de luz que cresce ao longo dos séculos, um raio que não podia provir de nenhum simples ser humano, um raio mediante o qual entra verdadeiramente no mundo o esplendor da luz de Deus? Teria o anúncio dos apóstolos podido encontrar fé e edificar uma comunidade universal se não operasse neles a força da verdade?

                       Se ouvirmos as testemunhas com o coração atento e nos abrirmos aos sinais com que o Senhor não cessa de autenticar as suas testemunhas e de Se atestar a Si mesmo, então saberemos que Ele verdadeiramente ressuscitou; Ele é o Vivente. A Ele nos entregamos e sabemos que assim caminhamos pela estrada justa. Com Tomé, metamos a nossa mão no lado trespassado de Jesus e professemos: “Meu Senhor e meu Deus!”(Jo 20,28).                  



sexta-feira, 29 de março de 2013

Tríduo Pascal - Sábado Santo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


A Liturgia das Horas e a reflexão no Sábado do Tríduo Pascal : 

Ofício das Leituras 

Primeira leitura  

Da Carta aos Hebreus 4,1-13 

Esforcemo-nos por entrar no repouso de Deus  

‘Irmãos: 1Tenhamos cuidado, enquanto nos é oferecida a oportunidade de entrar no repouso de Deus, não aconteça que alguém de vós fique para trás. 2Também nós, como eles, recebemos uma boa-nova. Mas a proclamação da palavra de nada lhes adiantou, por não ter sido acompanhada da fé naqueles que a tinham ouvido, 3enquanto nós, que acreditamos, entramos no seu repouso. É assim como ele falou: “Por isso jurei na minha ira: jamais entrarão no meu repouso.”
Isso, não obstante as obras de Deus estarem terminadas desde a criação do mundo. 4Pois, em certos lugares, assim falou do sétimo dia: “E Deus repousou no sétimo dia de todas as suas obras”, 5e ainda novamente: “Não entrarão no meu repouso.” 6Então, ainda há oportunidade para alguns entrarem nesse repouso. E como os que primeiro receberam o anúncio não entraram por causa de sua incredulidade, 7Deus marca de novo um dia, um “hoje”, falando por Davi, muito tempo depois, como se disse acima: “Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações”.

8Ora, se Josué lhes tivesse proporcionado esse repouso, não falaria de outro dia depois. 9Portanto ainda está reservado um repouso sabático para o povo de Deus. 10Pois aquele que entrou no repouso de Deus está descansando de suas obras, assim como Deus descansou das suas.

11Esforcemo-nos, portanto, por entrar neste repouso, para que ninguém repita o acima referido exemplo de desobediência. 12A Palavra de Deus é viva, eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes. Penetra até dividir alma e espírito, articulações e medulas. Ela julga os pensamentos e as intenções do coração. 13E não há criatura que possa ocultar-se diante dela. Tudo está nu e descoberto aos seus olhos, e é a ela que devemos prestar contas.’  


Segunda leitura   

De uma antiga Homilia no grande Sábado Santo  

(PG43,439.451.462-463)           (Séc.IV)  

A descida do Senhor à mansão dos mortos  

‘Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há  séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos.  

Ele vai antes de tudo à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, agora libertos dos sofrimentos.  

O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: “O meu Senhor está no meio de nós”. E Cristo respondeu a Adão: “E com teu espírito”. E tomando-o pela mão, disse: “Acorda, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará. 

Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; por ti e por aqueles que nascerame ti, agora digo, e com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: ‘Saí!’; e aos que jaziam nas trevas: ‘Vinde para a luz!’; e aos entorpecidos: ‘Levantai-vos!’ 

Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te dentre os mortos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa.  

Por ti, eu, o teu Deus, me tornei teu filho; por ti, eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci à terra e fui até mesmo sepultado debaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus e num jardim, crucificado. 

Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi, para restituir-te o sopro da vida original. Vê na minha face as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, tua beleza corrompida.  

Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar de teus ombros o peso dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendeste levianamente as tuas mãos para a árvore do paraíso.  

Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava dirigida contra ti.  

Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco no paraíso mas num trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus.  

Está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, construído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado para ti desde toda a eternidade”.’

Fonte :
‘In Liturgia das Horas II, pg. 437 a 440’  


Tríduo Pascal - Sexta Feira da Paixão do Senhor

Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB)


A Liturgia das Horas e a reflexão na Sexta-Feira do Tríduo Pascal : 

Ofício das Leituras

 Primeira leitura 

Da Carta aos Hebreus 9,11-28 

Cristo, sumo sacerdote, com o seu próprio sangue,
entrou no Santuário uma vez por todas 

‘Irmãos: 11Cristo veio como sumo-sacerdote dos bens futuros. Através de uma tenda maior e mais perfeita, que não é obra de mãos humanas, isto é, que não faz parte desta criação, 12e não com o sangue de bodes e bezerros, mas com o seu próprio sangue, ele entrou no Santuário uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna. 13De fato, se o sangue de bodes e touros, e a cinza de novilhas espalhada sobre os seres impuros os santifica e realiza a pureza ritual dos corpos, 14quanto mais o Sangue de Cristo, purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo, pois, em virtude do espírito eterno, Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha. 

15Por isso, ele é mediador de uma nova aliança. Pela sua morte, ele reparou as transgressões cometidas no decorrer da primeira aliança. E, assim, aqueles que são chamados recebem a promessa da herança eterna. 16Onde existe testamento, é preciso que seja constatada a morte de quem fez o testamento. 17Pois um testamento só tem valor depois da morte, e não tem efeito nenhum enquanto ainda vive aquele que fez o testamento. 18Por isso, nem mesmo a primeira aliança foi inaugurada sem sangue. 

19Quando anunciou a todo o povo cada um dos mandamentos da Lei, Moisés tomou sangue de novilhos e bodes, junto com água, lã vermelha e um hissopo. Em seguida, aspergiu primeiro o próprio livro e todo o povo, 20e disse: “Este é o sangue da aliança que Deus faz convosco”. 21Do mesmo modo, aspergiu com sangue também a Tenda e todos os objetos que serviam para o culto. 22E assim, segundo a Lei, quase todas as coisas são purificadas com sangue, e sem derramamento de sangue não existe perdão.

23Portanto, as cópias das realidades celestes tinham que ser purificadas dessa maneira; mas as próprias realidades celestes devem ser purificadas com sacrifícios melhores. 24De fato, Cristo não entrou num santuário feito por mão humana, imagem do verdadeiro, mas no próprio céu, a fim de comparecer, agora, na presença de Deus, em nosso favor. 25E não foi para se oferecer a si muitas vezes, como o sumo-sacerdote que, cada ano, entra no Santuário com sangue alheio.  

26Porque, se assim fosse, deveria ter sofrido muitas vezes, desde a fundação do mundo. Mas foi agora, na plenitude dos tempos, que, uma vez por todas, ele se manifestou para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo. 27O destino de todo homem é morrer uma só vez, e depois vem o julgamento. 28Do mesmo modo, também Cristo, oferecido uma vez por todas, para tirar os pecados da multidão, aparecerá uma segunda vez, fora do pecado, para salvar aqueles que o esperam.’
 

Segunda leitura 

Das Catequeses de São João Crisóstomo, bispo 

(Cat. 3,13-19: SCh 50,174-177)                   (Séc.IV)

O poder do sangue de Cristo 

            ‘Queres conhecer o poder do sangue de Cristo? Voltemos às figuras que o profetizaram erecordemos a narrativa do Antigo Testamento: Imolai, disse Moisés, um cordeiro de um ano e marcai as portas com o seu sangue (cf. Ex 12,6-7). Que dizes, Moisés? O sangue de um cordeiro tem poder para libertar o homem dotado de razão? É claro que não, responde ele, não porque é sangue, mas por ser figura do sangue do Senhor. Se agora o inimigo, ao invés do sangue simbólico aspergido nas portas, vir brilhar nos lábios dos fiéis, portas do templo dedicado a Cristo, o sangue verdadeiro, fugirá ainda mais para longe.  

Queres compreender mais profundamente o poder deste sangue? Repara de onde começou a correr e de que fonte brotou. Começou a brotar da própria cruz, e a sua origem foi o lado do Senhor. Estando Jesus já morto e ainda pregado na cruz, diz o evangelista, um soldado aproximou-se, feriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu água e sangue: a água, como símbolo do batismo; o sangue, como símbolo da eucaristia. O soldado, traspassando-lhe o lado, abriu uma brecha na parede do templo santo, e eu, encontrando um enorme tesouro, alegro-me por ter achado riquezas extraordinárias. Assim aconteceu com este cordeiro. Os judeus mataram um cordeiro e eu recebi o fruto do sacrifício.  

De seu lado saiu sangue e água (Jo 19,34). Não quero, querido ouvinte, que trates com superficialidade o segredo de tão grande mistério. Falta-me ainda explicar-te outro significado místico e profundo. Disse que esta água e este sangue são símbolos do batismo e da eucaristia. Foi destes sacramentos que nasceu a santa Igreja, pelo banho da regeneração e pela renovação no Espírito Santo, isto é, pelo batismo e pela eucaristia que brotaram do lado de Cristo. Pois Cristo formou a Igreja de seu lado traspassado, assim como do lado de Adão foi formada Eva, sua esposa.   

Por esta razão, a Sagrada Escritura, falando do primeiro homem, usa a expressão osso dos meus ossos e carne da minha carne (Gn 2,23), que São Paulo refere, aludindo ao lado de Cristo. Pois assim como Deus formou a mulher do lado do homem, também Cristo, de seu lado, nos deu a água e o sangue para que surgisse a Igreja. E assim como Deus abriu o lado de Adão enquanto ele dormia, também Cristo nos deu a água e o sangue durante o sono de sua morte.  

Vede como Cristo se uniu à sua esposa, vede com que alimento nos sacia. Do mesmo alimento nos faz nascer e nos nutre. Assim como a mulher, impulsionada pelo amor natural, alimenta com o próprio leite e o próprio sangue o filho que deu à luz, também Cristo alimenta sempre com o seu sangue aqueles a quem deu o novo nascimento.’ 
 

Fonte :
‘In Liturgia das Horas II, pg. 413 a 417’  


 

quinta-feira, 28 de março de 2013

Tríduo Pascal - Quinta Feira na Ceia do Senhor

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

A Liturgia da Horas e a reflexão na Quinta-Feira do Tríduo Pascal :  

Ofício das Leituras

Primeira leitura 

Da Carta aos Hebreus 4,14–5,10 

Jesus Cristo, sumo sacerdote 

            ‘Irmãos: 4,14 Temos um sumo-sacerdote eminente, que entrou no céu, Jesus, o Filho de Deus. Por isso, permaneçamos firmes na fé que professamos. 15Com efeito, temos um sumo-sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado. 16Aproximemo-nos então, com toda a confiança, do trono da graça, para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno. 

5,1 De fato, todo o sumo sacerdote é tirado do meio dos homens e instituído em favor dos homens nas coisas que se referem a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. 2Sabe ter compaixão dos que estão na ignorância e no erro, porque ele mesmo está cercado de fraqueza. 3Por isso, deve oferecer sacrifícios tanto pelos pecados do povo, quanto pelos seus próprios. 

4Ninguém deve atribuir-se esta honra, senão o que foi chamado por Deus, como Aarão. 5Deste modo, também Cristo não se atribuiu a si mesmo a honra de ser sumo-sacerdote, mas foi aquele que lhe disse: “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei”. 

6Como diz em outra passagem: “Tu és sacerdote para sempre, na ordem de Melquisedec.” 

7Cristo, nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte. E foi atendido, por causa de sua entrega a Deus. 8Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que ele sofreu. 9Mas, na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem. 10De fato, ele foi por Deus proclamado sumo-sacerdote na ordem de Melquisedec.’ 

Segunda leitura 

Da Homilia sobre a Páscoa, de Melitão de Sardes, bispo 

(N.65-71: SCh123,94-100) (Séc.II) 

O Cordeiro imolado libertou-nos da morte para a vida 

            ‘Muitas coisas foram preditas pelos profetas sobre o mistério da Páscoa, que é Cristo, a quem seja dada a glória pelos séculos dos séculos. Amém (Gl 1,5). Ele desceu dos céus à terra para curar a enfermidade do homem; revestiu-se da nossa natureza no seio da Virgem e se fez homem; tomou sobre si os sofrimentos do homem enfermo num corpo sujeito ao sofrimento, e destruiu as paixões da carne; seu espírito, que não pode morrer, matou a morte homicida. 

Foi levado como cordeiro e morto como ovelha; libertou-nos das seduções do mundo, como outrora tirou os israelitas do Egito; salvou-nos da escravidão do demônio, como outrora fez sair Israel das mãos do faraó; marcou nossas almas como sinal do seu Espírito e os nossos corpos com seu sangue. 

Foi ele que venceu a morte e confundiu o demônio, como outrora Moisés ao faraó. Foi ele que destruiu a iniqüidade e condenou a injustiça à esterilidade, como Moisés ao Egito. 

Foi ele que nos fez passar da escravidão para a liberdade, das trevas para a luz, da morte para a vida, da tirania para o reino sem fim, e fez de nós um sacerdócio novo, um povo eleito para sempre. Ele é a Páscoa da nossa salvação. 

            Foi ele que tomou sobre si os sofrimentos de muitos: foi morto em Abel; amarrado de pés e mãos em Isaac; exilado de sua terra em Jacó; vendido em José; exposto em Moisés; sacrificado no cordeiro pascal; perseguido em Davi e ultrajado nos profetas. 

Foi ele que se encarnou no seio da Virgem, foi suspenso na cruz, sepultado na terra e, ressuscitando dos mortos, subiu ao mais alto dos céus.

Foi ele o cordeiro que não abriu a boca, o cordeiro imolado, nascido de Maria, a bela ovelhinha; retirado do rebanho, foi levado ao matadouro, imolado à tarde e sepultado à noite; ao ser crucificado, não lhe quebraram osso algum, e ao ser sepultado, não experimentou a corrupção; mas ressuscitando dos mortos, ressuscitou também a humanidade das profundezas do sepulcro.
  

Fonte :
‘In Liturgia das Horas II, pg. 398 a 401 
 

domingo, 24 de março de 2013

Meditação Cristã e Liberdade

Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB)
 
Meditação Cristã na Quaresma  
 
                        Apresentamos, aos leitores, um texto que nos incitou a refletir mais sobre o termo liberdade, utilizado pelo autor, especialmente nesta semana de Páscoa.  Sem nenhuma pretensão de alargar o seu conteúdo, muito menos de explicitá-lo, (porque desnecessário, ante a sua clareza), sentimos apenas uma necessidade de enfatizar que a LIBERDADE, (primeira) nos foi dada por Deus e segundo Ele é que devemos usá-la.  Pois quando Deus, criou o homem, o conduziu para o amor e para a liberdade. Deu-nos, aprioristicamente, amor para nos unirmos e liberdade para crescermos.

                       Então, para não ficarmos presos a uma visão do homem quase que somente antropológica e sociológica, lembremos o grito de Santo Agostinho, (Bispo de Hipona), sobre a nossa dependência e carência inegável de sermos UM com DEUS,  logo, condicionados em nossa liberdade: 
Irmãos, qual a duração de nossos anos? Eles se desfazem cada dia. Os que eram não são mais, os que virão ainda não são. Uns passaram, outros virão só para passar por sua vez. O hoje só existe no instante em que falamos. As primeiras horas passaram, outras ainda não existem, virão, mas para se arremessar ao nada. [...]. Ninguém possui em si mesmo a estabilidade. O corpo não possui o ser, não permanece em si mesmo. Muda com a idade, muda com o tempo e os lugares, muda com as doenças e os acidentes. Os astros também não têm estabilidade; têm suas mudanças secretas, evoluem no espaço[...], não são estáveis, não são o ser.
O coração do homem também não é estável. Quantos pensamentos, quantos impulsos o movem, quantas volúpias o agitam e o dilaceram! O próprio espírito do homem , embora dotado de razão, muda, não tem o ser. Quer e não quer, sabe e ignora, lembra e esquece. Ninguém possui em si a unidade do ser[...]. Depois de tantos sofrimentos, doenças, dificuldades, e penas, VOLTEMO-NOS HUMILDEMENTE PARA ESSE UM. ENTREMOS NESSA CIDADE, CUJOS HABITANTES PARTICIPAM DO PRÓPRIO SER.   (Comentário ao Salmo 121,6 (PL 36,1623). – In Fontes, Olivier Clement – Ed. Subiaco.

                                           Segue o Texto  de D. Lawrence Freeman - OSB.


                                             Adentramos o espiritual através do poder da simples atenção transcendendo as limitações do ego. Para nós, durante estes dias, a história da paixão, morte e ressurreição do Senhor é o portal para este domínio. O poder da atenção é a chave que o abre. No espírito, o poder de todas as limitações é suspenso. "Onde o espírito está, há liberdade". Certos estados mentais podem imitar essa liberdade de espírito. Muitas pessoas desejam a liberdade desses estados e usam meios artificiais para induzi-los. Mas, por estes meios, as limitações de espaço e tempo são enfraquecidas ou dobradas, não transcendidas. O caminho para o espiritual respeita as leis da natureza.
                                         Quando a dimensão espiritual se abre para nós - em nós - ela lança uma nova luz sobre os mundos do espaço e do tempo em cujas limitações ainda vivemos. Continuamos humanos - limitados - mas as limitações não impedem a abertura total do nosso ser ao divino. Tornamo-nos divinamente humanos.

                                              Os mistérios da Páscoa são semelhantes aos que o mundo antigo chamava rituais de iniciação. A transformação final ainda está por vir. Mas aqui e agora - se não cochilarmos, se tirarmos a atenção de nossas limitações e o sofrimento que causam - iniciamos o processo e provamos o vinho novo que Jesus bebe conosco no Reino.
                                        O primeiro passo é entrar na história e deixá-la trabalhar em nós.         A meditação nos ajuda a ouvi-la, mas também nos abre para o ilimitado domínio do espírito, que é o significado e o propósito da história.

sexta-feira, 22 de março de 2013

O Credo e a Eucaristia

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

Alguns leitores do periódico Zenit questionaram por que a Eucaristia não é citada no Credo e a resposta foi dada pelo *padre Edward McNamara :  

As razões são principalmente de natureza histórica, mas dizem respeito também à própria finalidade da liturgia.

Do ponto de vista histórico, o Credo como o conhecemos, foi desenhado primeiro nos Concílios de Nicéia (325) e de Constantinopla (381), embora em sua forma elaborada aparece pela primeira vez nos atos do Concílio de Calcedônia (451). 

Este Credo estava provavelmente baseado numa profissão de fé batismal e continha todos os elementos essenciais da fé da Igreja. 

Ele era principalmente uma resposta a Ário e às outras heresias, e defendia a doutrina da Trindade e da verdadeira e plena divindade e humanidade de Cristo. Nunca foi concebido como uma exposição exaustiva de cada aspecto da fé.

Uma vez que era necessário defender os fundamentos da fé, questões como a natureza da Eucaristia simplesmente não apareceram no horizonte teológico até vários séculos depois.

Além disso, durante este primeiro período, a plenitude da doutrina eucarística era muitas vezes explicada só depois do batismo, ou seja, só depois de que o novo cristão tinha recitado em público o Credo.

A prática de recitar o Credo na Missa é atribuída à Timóteo, Patriarca de Constantinopla (511-517), uma iniciativa que foi copiada por outras Igrejas sob influência bizantina, incluindo a parte da Espanha, que estava então sob o domínio de Bizâncio.

Por volta do ano 568, o imperador bizantino Justiniano ordenou que o Credo fosse recitado em cada Missa celebrada nos seus domínios. Vinte anos depois, em 589, o rei visigodo da Espanha, Recaredo, renunciou à heresia ariana em favor do catolicismo e, por sua vez ordenou que o Credo fosse proclamado em cada Missa.

Cerca de dois séculos mais tarde, reencontramos a prática de recitar o Credo na França e de lá o costume foi se espalhando lentamente em outras partes do Norte da Europa. Por fim, quando no ano de 1114 Henrique II veio à Roma para ser coroado imperador do Sacro Império Romano, ficou surpreso de que lá o Credo não fosse recitado. Responderam-lhe dizendo que Roma nunca tinha cometido um erro em matéria de doutrina, e que por isso não era necessário para os romanos proclamar o Credo durante a Missa. No entanto, foi incluído na liturgia em honra do imperador e, desde então, embora não em todas as missas, mas apenas aos domingos e em algumas festividades.

Os cristãos do Oriente e do Ocidente usam o mesmo Credo, com excessão da expressão Filioque (e o Filho), que a versão latina adiciona como uma referência da processão do Espírito Santo, uma adição que deu origem a intermináveis e complicadíssimas discussões teológicas.

Apesar desta diferença, há um consenso entre todos os cristãos de que o Credo deveria permanecer assim como está e que nem o Credo, nem muito menos a mesma Missa, seja um lugar apto para dar expressão técnica a cada princípio da fé.

Em outro nível, no entanto, toda a Missa em si é uma profissão de fé. É a fé viva celebrada e anunciada num grande e sublime ato de culto que é transformada numa fé que permeia cada aspecto da atividade diária.

Mesmo se não é explicitamente mencionada a presença real no Credo, os católicos proclamam a sua fé eucarística com quase cada palavra e gesto da Missa e, de modo particular, com o seu Amém no final da oração eucarística e quando recebem a Comunhão.
 


Fonte :
* Padre Edward McNamara, L.C. (Legionário de Cristo), professor de Liturgia e Deão de Teologia na universidade Ateneo Pontifício Regina Apostolorum, de Roma.