quarta-feira, 26 de março de 2014

Filipe e o Eunuco



Este artigo, gentilmente cedido por Dom Lourenço Palata Viola, OSB,
monge beneditino do Mosteiro de São Bento de São Paulo,
faz parte de sua palestra proferida no retiro anual dos oblatos 
(capítulo 4 de 5)


 Nossos companheiros de caminhada serão duas pessoas totalmente distintas, que jamais se encontraram ou ouviram falar uma da outra, com estados de vida totalmente diferentes porém com um grande ponto em comum: a fé.

O “diácono” Filipe e o Eunuco etíope, funcionário de Candace, rainha da Etiópia são personagens de extrema importância no contexto da propagação da Boa Nova da Salvação. Este etíope, do qual não sabemos o nome, mas apenas conhecemos o desejo de seu coração, é o primeiro gentil a transpor os umbrais da porta da fé. Ao explicar-lhe a passagem de Isaías, Filipe desperta-lhe o coração para Jesus Cristo, verdadeiro Cordeiro de Deus.

“A porta da fé (cf. At 14,27), que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja, está sempre aberta para nós. É possível cruzar esse limiar quando a Palavra de Deus é anunciada e o coração se deixa plasmar pela graça que transforma” (Bento XVI, PF 1). Anunciar a Palavra, eis a grande missão que nos é proposta, para que assim como o eunuco várias pessoas que ainda não compreendem e não tem quem as oriente cheguem ao conhecimento da verdade.

Todos nós temos em nosso coração um desejo misterioso de Deus, uma lacuna que só pode ser preenchida pelo amor onipotente. O Catecismo da Igreja Católica nos diz que “desejar a Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem a si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que não se cansa de procurar” (CICA 27). 

“Assim, pela prontidão e pelo desejo ardente de sua fé o eunuco é digno de toda nossa admiração. Ele não viu Jesus Cristo nem presenciou nenhum prodígio, e qual é a razão de sua mudança? A razão é que, sendo ele observante dos preceitos aplica-se ao estudo dos livros santos e faz deles seu livro de meditação e leitura” (S. João Crisóstomo, Hom. Sobre os At. Dos Ap. 19).

De fato este etíope era verdadeiramente alguém muito culto, pois não somente sabia ler, mas o fazia também em aramaico. São Lucas nos narra que ele lia um rolo de pergaminho com o texto do profeta Isaías, provavelmente adquirido em Jerusalém. Suas atitudes: empreender uma longa viagem para peregrinar até o Templo de Jerusalém e permanecer no átrio dos pagãos, comprar um rolo de Isaías e voltar lendo-o, deixam claro o quão grande era seu amor pela fé de Israel, mesmo que não tenha se circuncidado.

Filipe porém, ao explicar-lhe toda a escritura partindo da páscoa de Jesus contemplada no texto lido encaminha-o através do desejo de seu próprio coração ao encontro com o Deus vivo e verdadeiro revelado por Jesus.

Com o Batismo o eunuco professará a fé na Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo, e tornar-se-á participante da natureza divina, filho adotivo de Deus Pai, membro e discípulo de Cristo, templo e morada do Espírito Santo.

Como conclusão desta meditação gostaria de destacar através do trecho de uma homilia de São João Crisóstomo outro aspecto relevante neste texto e neste etíope: seu interesse e fidelidade a leitura da Sagrada Escritura a qual constitui uma necessidade para o redescobrir com nova alegria o caminho da fé e assim fazermos este encontro constante e eficaz com Cristo Jesus. 

“Vinha de volta, sentado no seu carro, a ler o profeta Isaías. Considera que grande coisa é não descuidar da leitura da Escritura nem sequer durante a viagem (...). Pensem isto os que nem sequer em casa as lêem e, porque estão com sua mulher, ou porque militam no exército, ou tem preocupações pelos seus familiares e ocupações em outros assuntos, acreditam que não lhe seja conveniente fazer esse esforço de ler as divinas Escrituras (...).   Este bárbaro etíope é um mestre para todos nós: para os que tem uma vida privada, para os membros do exército, para as autoridades, numa palavra, para todos os homens e também para as mulheres – mais ainda as que estão sempre em casa – e para os que escolheram a vida monástica. Aprendam todos que nenhuma circunstância é impedimento para a leitura da palavra divina, que é possível realizar não só em casa mas na praça, na viagem, em companhia de muitos ou no meio de uma ocupação. Não descuidemos, vos rogo, a leitura das Escrituras” (S. João Crisóstomo, Hom. Sobre o Gen, 35).


- At 8,26-40

* Tenho sido a exemplo de Filipe, anunciador da Boa nova?

* Como tem sido meu contato com a Palavra de Deus?


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