domingo, 31 de agosto de 2014

A vocação e a arte de bem escutar!

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Padre Manuel João P. Correia,
Missionário Comboniano

‘... A vocação nasce do olhar. Um olhar que toca o coração. Mas o olhar torna-se ‘visível’ na palavra, pronunciada e escutada. Por isso a ‘vocação’ parece privilegiar o sentido da ‘audição’. Pronunciada pela boca, é acolhida pelo ouvido. No entanto, a Escritura não estabelece um contraste entre a audição e a visão. No Sinai, ‘todo o povo viu as vozes’ (Êxodo 20,18 segundo o texto hebraico). De acordo com a tradição judaica, podemos dizer que a palavra de Deus se torna visível na Escritura, e segundo a tradição cristã, encarna-se na Pessoa de Jesus. Há, pois, uma sinergia entre ver e ouvir. A palavra habita no olhar. A solicitação a prestar ouvidos é acompanhada pelo convite a levantar os olhos.


Ouvido idolátrico

Podemos dizer que cada sentido colhe uma dimensão das coisas e nos abre a uma contemplação e compreensão diversa da realidade. Naturalmente, os sentidos devem ser despertados e purificados pois correm o risco de se tornarem idolátricos. O olhar deve permanecer aberto ao invisível e o ouvido ao inefável. O nosso ouvido pode tornar-se idolátrico quando se apodera da palavra, manipulando-a, de maneira que ela já não ‘chama’ mas narcotiza, não interpela mas acomoda, não põe em caminho mas imobiliza.

Hoje vivemos numa época em que é dada uma importância primordial à comunicação, mas, paradoxalmente, todos querem falar e poucos estão dispostos a escutar. Pelo que hoje parece que já não sabemos escutar. Esta é sem dúvida uma das razões da escassez de vocações. É, pois, preciso recuperar a arte da escuta. Quem poderia ensinar-no-la?

Jesus, o Logos de Deus, é apresentado como ‘o homem da Palavra’, que sente a urgência de anunciar a todos e por todo o lado o ‘evangelho’, que encanta as multidões e desarma até os próprios adversários com a novidade da sua palavra. Mas esquecemos, por vezes, que a palavra de Jesus vem de uma escuta profunda. Ele diz simplesmente ‘aquilo que ele ouviu do seu Pai’. Antes dos seus três breves anos de ministério, Jesus frequentou a ‘escola’ de Nazaré, escutando durante trinta anos, num ritmo de vida marcado pelo ‘Shema Israel’.

Percorrendo o evangelho, eu diria que poderíamos formular um ‘septenário’ de características que ilustram a ‘arte de escutar’ segundo Jesus. Ou seja, sete maneiras de descrever a qualidade da escuta praticada por Jesus, que é também a do bom ouvinte, a de todo vocacionado.


Escuta SILENCIOSA

Uma escuta silenciosa, ou seja que nasce do silêncio! Jesus é uma pessoa que procura o silêncio, para reflectir e meditar, para escutar o Pai. Recordemos os 40 dias de escuta no deserto, ao início do seu ministério, e as noites que passava em oração. Não é alguém que se precipita a falar. Os seus adversários devem insistir para que ele se pronuncie no caso da mulher adúltera (João 8).

O silêncio é o sal de uma boa escuta e de uma sensata conversação. Sal em justa medida! Quando erramos na quantidade, tornamo-nos insossos ou intragáveis! Neste sentido podemos distinguir três tipos de pessoas.

Há os que não conhecem o silêncio, senão o estritamente necessário para retomar o fôlego durante a enxurrada de palavras que vomitam pela boca fora. Determinam o tema da conversa, monopolizam a discussão, impõem a própria opinião, acabando por silenciar toda a gente, naturalmente sem serem escutados por ninguém. Mas há também os que impõem o próprio silêncio, como uma pesante pedra tumular, que se faz sentir como forte dissensão e crítica, como mortificação e castigo, que desencoraja e impede qualquer diálogo e impõe um silêncio de cortar à faca!...

E há os que procuram tempos de silêncio para cultivar a interioridade. São momentos de fecundidade humana e espiritual que tornam uma vida sensata e saborosa! São pessoas capazes de ouvir e cuja palavra escutamos com respeito e atenção porque transmitem sabedoria. Estas pessoas são capazes também de guardar silêncio, de calar-se, de esperar pacientemente pela disponibilidade dos demais, sem imporem os próprios tempos ou ritmos. São pessoas com quem nos sentimos bem, nas quais silêncio e palavra se harmonizam, sem provocarem tensão ou embaraço.


Escuta SINCERA

Uma escuta sincera, ou seja, aberta e disponível. Jesus não parte de preconceitos ou prejuízos. Por isso, os publicanos e os pecadores procuram-no (Marcos 2). Porque não se sentem julgados, encerrados numa categoria, etiquetados. Sentem-se acolhidos, escutados e compreendidos. Por isso mesmo escutam Jesus. As pessoas podem aproximar-se e falar livremente com ele. Sabem que o Mestre tem um bom ouvido, não presume de tudo saber. Ele até é capaz de soltar a língua dos mudos e abrir os ouvidos aos surdos.

O preconceito e o prejuízo são o caruncho da escuta. Minam a capacidade de compreensão, antepõem um filtro, erguem barreiras entre as pessoas. Ninguém está livre deles. São os vermes que, silenciosa e sorrateiramente, comprometem a consistência da comunicação.


Escuta HUMILDE

Uma escuta humilde, que é feita ‘desde abaixo’. Para bem escutar é preciso sentar-se, como Maria aos pés de Jesus na casa de Marta. Também Jesus se senta à borda do poço para bem escutar a samaritana (João 4). Debruça-se por terra para olhar e escutar a mulher adúltera, que os seus adversários olham com desdém e condenam desde uma posição altiva e farisaica.

A altivez torna a escuta uma sessão de tribunal. Pretende escutar, mas na realidade constitui-se juiz à espera de apanhar o outro em falso. O espírito crítico deturpa o sentido das palavras. No melhor dos casos, o que o outro diz tem pouca importância e portanto não merece a atenção. Não vale o nosso tempo. Podemos continuar de pé ou a tratar dos nossos afazeres. Dar-lhe meio ouvido é mais que suficiente.


Escuta ATENTA

Uma escuta atenta, feita com o ouvido do coração. Jesus é capaz de ouvir e ler no silêncio das profundidades dos corações. Sabe captar quanto de bom, de belo e de verdade existe no outro. Por isso mesmo em casa de Simão o Leproso toma a defesa da mulher que vem chorar aos seus pés escutando o grito sufocado no seu coração (Lucas 7). Jesus tem um ouvido tão fino que é capaz de ouvir o desejo do coração de Zaqueu ao passar debaixo da árvore onde ele se tinha empoleirado (Lucas 19) e de detectar o grito de Bartimeu no meio da gritaria da multidão que o rodeia à saída de Jericó (Marcos 10).

Só o coração é capaz de ouvir. Ouvir tanto no silêncio de uma palavra não dita, de um pedido não expresso, de um brado não exalado, como também no clamor sufocado pela indiferença, no berro reclamando justiça, no fragor do grito de revolta…


Escuta LIVRE

Uma escuta livre, que reconhece o direito fundamental do outro à palavra. Jesus tem confiança nos seus, e por isso deixa-os falar, não lhes tira esse direito. Quando se dá conta que os apóstolos durante o caminho confabulam entre eles (sobre quem deles seria o maior), não se intromete e deixa-os continuar. Não fica perturbado ou intrigado pelo animado cochicho. Em casa retomará a conversa, mas com muita serenidade (Marcos 9).

A desconfiança é como uma serpente que infiltrando-se no coração envenena qualquer relação. Talvez seja este um dos maiores limites na nossa escuta : a falta de confiança nos demais. Apenas vemos duas pessoas que cochicham vem-nos a suspeita que possam estar falando mal de nós. Desconfiar dos outros é limitar o direito deles à palavra. Os outros são livres de pensar e dizer o que bem lhes aprouver. São livres também de me criticarem. Reconhecer esse direito liberta o coração!


Escuta DESAFIANTE

Uma escuta desafiante, que ajuda o outro a crescer. Um exemplo muito elucidativo é o caso da aparente surdez de Jesus ao pedido e aos gritos da mulher cananeia, que choca até os próprios apóstolos (Mateus 15). Jesus ‘ignora’ o pedido da mulher, não escuta a intercessão dos apóstolos e, por fim, até parece provocá-la quando usa a imagem do pão dos filhos que não deve ser dado aos cachorros. Ele puxa tanto pela fé da mulher que é um autêntico milagre que ela tenha aguentado tal esticão. Assim Jesus pôs em ressalto a grandeza da sua fé.

A nossa escuta, ao contrário, peca muitas vezes por complacência. É medrosa, não quer incomodar ninguém, para não criar problemas. Não calcar os calos uns dos outros, é a regra do jogo. Viver e deixar viver. Mas isto significa também não assumir responsabilidade, não importar-se com o outro!


Escuta FERIDA

Uma escuta ferida, ou seja, marcada pelo limite e pelo pecado. Jesus, a Palavra de Deus incarnada, aceita ter uma palavra débil, humilde como uma semente, com o risco de não ser ouvido, de ser semente pisada, de ser ridicularizado e objecto de chacota, como acontece durante a paixão. A Palavra é capaz de ficar em silêncio, sem defender-se a todo o custo. Sabe esperar com paciência e confiança a lentidão do ritmo de crescimento do Reino. É isto que o torna capaz de escutar o grito do ‘bom ladrão’ crucificado ao seu lado (Lucas 23).

Não existe uma escuta sem cruz. É a circuncisão do ouvido (Actos 7,51). Hoje o sofrimento mete medo. Pretendemos construir um mundo ideal, sem espaço para ele. Mas pode haver amor autêntico quando não se aceita sofrer? Acabamos por fechar o ouvido quando a palavra do outro fere o coração.

Por isso mesmo a Escritura apresenta o Servo de Javé, o Sofredor, como o modelo do discípulo que escuta : ‘O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo, para que eu saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos. Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos, para eu escutar, como escutam os discípulos. O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam, e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam…’ (Isaías 50).’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EFAAFlFyuyyBPolAgC

  

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O niilismo e o genocídio dos cristãos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Ivanaldo Santos
  
‘A sociedade contemporânea é marcada por dois fortes, problemáticos e tristes fenômenos. Esses fenômenos são o triunfo do niilismo e o genocídio dos cristãos. O niilismo é uma expressão cultural, de origem filosófica, que desde o século XIX prega, com agressividade, que não existe nenhum valor ético, religioso ou princípio filosófico. Por causa disso, o niilismo defende a morte de Deus, a dissolução da Igreja, o fim da família, o fim da sociedade tradicional, herdada dos gregos antigos, e o abandono de qualquer idéia ou noção que possa representar algum principio ético e filosófico. O niilismo deseja criar uma sociedade pós-ocidental, pós-moderna, pós-cristã, pós-Igreja, pós-metafísica, pós-ética e pós-família. Como representantes da cultura niilista é possível citar, por exemplo, pensadores como : Marx, Freud, Nietsche, Heidegger, Foucault e Rorty.

Desde o século XIX e principalmente após a década de 1950 o niilismo faz muito sucesso entre a elite cultural, artista, política e econômica do Ocidente. Trata-se de uma elite que, em grande medida, se alto proclama como sendo pós-ocidental, pós-cristã e coisas semelhantes. Por causa disso essa elite fala, entre outras coisas, em democracia, em direitos das minorias, em direitos humanos e em pluralidade cultural.

Como consequência do avanço do niilismo no Ocidente vê-se, com frequência, políticas e ações sociais que valorizam, por exemplo, o uso das drogas ilícitas, o aborto e a união homossexual, mas, na contramão, poucas ações voltadas para a família e para a vida religiosa.

O grande grupo que é excluído das políticas e ações niilistas são os cristãos. Atualmente os cristãos são o grupo social mais perseguido em todo o planeta Terra. Da Ásia, da África, passando pelo Oriente Médio, pelos países governados por regimes totalitários, como a Coreia do Norte, China e Cuba, passando pelo círculo bolivariano (Venezuela, Equador, Bolívia, etc) até chegar as democracias liberais (EUA, Inglaterra, etc) os cristãos sofrem algum tipo de preconceito e de perseguição. Praticamente todos os dias são publicados notícias que dizem, por exemplo, que um grupo de cristãos fora queimado vivo, que outro grupo de cristãos fora sumariamente fuzilado e outras coisas terríveis. Todos esses atos de barbárie e violência acontecem apenas porque essas pessoas são cristãs.

O auge dessa perseguição contemporânea aos cristãos, uma perseguição pós-ocidental, pós-moderna, etc... é o genocídio praticado contra os cristãos e contra outras minorias religiosas e étnicas no Oriente Médio. Esse genocídio acontece nos dias atuais e é praticado pelo Estado Islâmico (EI) e por outros grupos radicais e fundamentalistas que, dentro do Oriente Médio, desejam destruir totalmente os cristãos e as demais minorias. Atualmente no Oriente Médio é comum os cristãos serem fuzilados, crucificados, enforcados e degolados.

Dentro de toda essa triste realidade, o surpreendente é que a atual elite Ocidental, uma elite niilista, que se alto proclama de democrática e de pluralista, quase nada diz ou faz para proteger os cristãos massacrados no Oriente Médio e até mesmo os cristãos perseguidos em outras regiões do mundo. É surpreendente que a elite econômica e cultural do Ocidente gaste milhões e milhões de dólares em projetos ambientais e em campanhas a favor do aborto, mas fique quase que totalmente calada, paralisada diante das atrocidades cometidas pelo Estado Islâmico e seus aliados contra os cristãos e outras minorias.

Como adverte Richard Weaver, as idéias têm consequências. Depois da elite ocidental se embriagar, por quase 180 anos, com as ideias niilistas, essa mesma elite fica chocada ao ver uma árvore ser derrubada, mas não diz quase nada, pouco fala diante da perseguição aos cristãos em vários países do mundo e especialmente do genocídio dos cristãos no Oriente Médio.

É tempo de haver uma reflexão autenticamente crítica diante das ideias niilistas. Junto com essa reflexão, reconhecer que os cristãos são seres humanos portadores de direitos humanos e de dignidade e respeito Se as árvores precisam ser respeitadas, os cristãos massacrados no Oriente Médio também necessitam ser protegidos e preservados. O niilismo criou um homem que paradoxalmente não pensa no próprio homem. Por causa disso, é tempo de criticar o niilismo e, com isso, passar a ver os seres humanos que realmente estão sofrendo e sendo vítimas de todas as formas de violência, de brutalidade, de tortura e de genocídio.’



Fonte :
* Ivanaldo Santos, filósofo, doutor em estudos da linguagem pela UFRN e professor do Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

 http://www.zenit.org/pt/articles/o-niilismo-e-o-genocidio-dos-cristaos


quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Martírio de São João Batista

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Bento XVI, Papa Emérito

‘...Celebra-se a memória do martírio de São João Baptista, o precursor de Jesus. No Calendário romano, é o único santo do qual se celebra tanto o nascimento, a 24 de Junho, como a morte ocorrida através do martírio. A memória hodierna remonta à dedicação de uma cripta de Sebaste, em Samaria onde, já em meados do século IV, se venerava a sua cabeça. Depois, o culto alargou-se a Jerusalém, às Igrejas do Oriente e a Roma, com o título de Degolação de São João Baptista. No Martirológio romano faz-se referência a uma segunda descoberta da preciosa relíquia, transportada naquela ocasião para a igreja de São Silvestre em Campo Márcio, em Roma.

Estas breves referências históricas ajudam-nos a compreender como é antiga e profunda a veneração de São João Baptista. Nos Evangelhos realça-se muito bem o seu papel em relação a Jesus. De modo particular, São Lucas narra o seu nascimento, a sua vida no deserto e a sua pregação, e no Evangelho de hoje São Marcos fala-nos da sua morte dramática. João Baptista começa a sua pregação sob o imperador Tibério, em 27-28 d.C., e o convite claro que ele dirige ao povo que acorre para o ouvir é que prepare o caminho para receber o Senhor, e endireitem as veredas tortas da própria vida através de uma conversão radical do coração (cf. Lc 3, 4). Contudo, João Baptista não se limita a pregar a penitência e a conversão mas, reconhecendo Jesus como ‘o Cordeiro de Deus’ que veio para tirar o pecado do mundo (cf. Jo 1, 29), tem a profunda humildade de mostrar em Jesus o verdadeiro Enviado de Deus, pondo-se de lado a fim de que Jesus possa crescer, ser ouvido e seguido. Como último gesto, João Baptista testemunha com o sangue a sua fidelidade aos mandamentos de Deus, sem ceder nem desistir, cumprindo a sua missão até ao fim. São Beda, monge do século IX, nas suas Homilias diz assim : ‘São João, por [Cristo] deu a sua vida; embora não lhe tenha sido imposto que negasse Jesus Cristo, só lhe foi imposto que não dissesse a verdade’ (cf. Hom. 23: ccl 122, 354). E ele dizia a verdade, e assim morreu por Cristo, que é a Verdade. Precisamente pelo amor à Verdade, não cedeu a compromissos nem teve medo de dirigir palavras fortes a quantos tinham perdido o caminho de Deus.

Nós vemos esta grande figura, esta força na paixão, na resistência contra os poderosos. Interroguemo-nos : de onde nasce esta vida, esta interioridade tão forte, tão recta e tão coerente, empregue totalmente por Deus e para preparar o caminho para Jesus? A resposta é simples : da relação com Deus, da oração, que é o fio condutor de toda a sua existência. João é o dom divino longamente invocado pelos seus pais, Zacarias e Isabel (cf. Lc 1, 13); uma dádiva grande, humanamente inesperada, porque ambos eram de idade avançada e Isabel era estéril (cf. Lc 1, 7); mas a Deus nada é impossível (cf. Lc 1, 36). O anúncio deste nascimento verifica-se precisamente no contexto da oração, no templo de Jerusalém; aliás, acontece quando Zacarias recebe o grande privilégio de entrar no lugar mais sagrado do templo para fazer a oferta do incenso ao Senhor (cf. Lc 1, 8-20). Também o nascimento de João Baptista é marcado pela oração : o cântico de alegria, de louvor e de acção de graças que Zacarias eleva ao Senhor e que nós recitamos todas as manhãs nas Laudes, o ‘Benedictus’, exalta a obra de Deus na história e indica profeticamente a missão do filho João: preceder o Filho de Deus que se fez carne, para lhe preparar as estradas (cf. Lc 1, 67-79). Toda a existência do precursor de Jesus é alimentada pela relação com Deus, de modo particular o período transcorrido em regiões desertas (cf. Lc 1, 80); as regiões desertas que são lugares de tentação, mas também lugares onde o homem sente a própria pobreza, porque desprovido de apoios e certezas materiais, e compreende que o único ponto de referência sólido permanece o próprio Deus. Mas João Baptista não é apenas um homem de oração, do contacto permanente com Deus, mas também um guia para esta relação. Citando a oração que Jesus ensina aos discípulos, o ‘Pai-Nosso’, o evangelista Lucas anota que o pedido é formulado pelos discípulos com estas palavras : ‘Senhor, ensinai-nos a rezar, como também João ensinou aos seus discípulos’ (cf. Lc 11, 1).

Caros irmãos e irmãs, celebrar o martírio de São João Baptista recorda-nos, também a nós cristãos deste nosso tempo, que não se pode ceder a compromissos com o amor a Cristo, à sua Palavra e à Verdade. A Verdade é Verdade, não existem compromissos. A vida cristã exige, por assim dizer, o ‘martírio’ da fidelidade quotidiana ao Evangelho, ou seja, a coragem de deixar que Cristo cresça em nós e que seja Cristo quem orienta o nosso pensamento e as nossas acções. Mas isto só se verifica na nossa vida se a nossa relação com Deus for sólida. A oração não é tempo perdido, não é roubar espaço às actividades, inclusive às obras apostólicas, mas é precisamente o contrário: se formos capazes de ter uma vida de oração fiel, constante e confiante, o próprio Deus dar-nos-á a capacidade e a força para viver de modo feliz e tranquilo, para superar as dificuldades e testemunhá-lo com coragem. São João Baptista interceda por nós, a fim de sabermos conservar sempre o primado de Deus na nossa vida.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/audiences/2012/documents/hf_ben-xvi_aud_20120829_po.html

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Santo Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Santo Agostinho é o pensador que, através da sua vasta produção literária, marcou mais profundamente a especulação cristã.

Sua profunda cultura humanista tornou-se sensível aos grandes temas que preocupavam e preocupam o ser humano : o bem e o mal, a liberdade, o destino humano, a história e sobretudo o dilema entre fé e razão.

Várias de suas obras figuram no rol das mais importantes da Literatura Universal, como os Solilóquios, As Confissões e a Cidade de Deus. Esta última, em particular, influenciou decisivamente os rumos políticos e as práticas sociais da cristandade medieval.

Nasceu Santo Agostinho no ano de 354 d.C. numa região chamada Numídia. Sua trajetória intelectual, antes de chegar ao cristianismo, passa por períodos de apego à vida mundana, ao materialismo, ao maniqueísmo e termina no platonismo largamente influenciado pelo ceticismo da nova academia. Manifesta sua preferência pelo platonismo, considerando-o a mais pura e luminosa filosofia da Antigüidade.

Santo Agostinho inaugura de certa maneira ‘A era da incerteza dogmática’. O problema das relações entre a razão e a fé que seria o problema fundamental da escolástica medieval, atormentava a mente de Santo Agostinho. Estudava desesperadamente matemática, filosofia, mecânica (a física na época era rudimentar), teologia, com o propósito de explicar a existência de Deus através da razão humana. Observava a natureza e acreditava que o homem através de sua inteligência iría finalmente explicar o porquê de Deus e colocar os parâmetros da fé em bases científicas. Observe que essa busca frenética continuou acontecendo e é motivo de desconforto para a ciência, sobretudo nos dias de hoje. Santo Agostinho não descansava, passava horas a estudar e a meditar, tentando entender o que significava onipresença, onisciência, infinito, Santíssima Trindade, consubstanciação, espírito e corpo, diversidade espiritual, a temporalidade.

Várias vezes ele foi visto vagando sozinho na noite angustiado, tentando descobrir a resposta científica para a fé. Como se libertar da dúvida cética? Certo dia, Santo Agostinho, após longo período de trabalho e muito compenetrado na sua angústia, adormeceu no claustro. Teve um sonho revelador : caminhava sobre uma praia deserta, a contemplar o mar e o céu.

De repente, avistou um menino que com um balde de madeira ia até a água do mar, enchia o balde e voltava, onde despejava a água num pequenino buraco na areia. Santo Agostinho, perplexo e curioso perguntou ao menino :

- O que você está fazendo? O menino calmamente olhou para Santo Agostinho e respondeu : - Vou colocar toda água do mar nesse buraco! Santo Agostinho sorriu e retrucou : - Isso é impossível garoto! Observe quanta água existe no oceano e você quer colocá-la toda nesse diminuto buraco! Mais uma vez o menino olhou para Santo Agostinho e de forma ríspida e corajosa disse : - Em verdade vos digo. É mais fácil colocar toda água do oceano nesse pequeno buraco do que a inteligência humana compreender os mistérios de Deus!! E num átimo Santo Agostinho acordou assustado e desorientado. Tivera uma mensagem divina que acalmaria sua alma conturbada.

Que essa história sirva também aos nossos dias. O homem precisa rever posições, precisa abandonar seu humanismo cético em favor do dogma teológico. Não pode haver ciência sem base teológica. Aqueles que duvidam disso, lembrem-se do menino.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.agostinianas.com.br/santoAgostinho/oracoes/28Agosto.aspx

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Santa Mônica

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Jamais desencorajar-se diante das provações, mas continuar fazendo o bem, mesmo se este não aparece e o mal faz mais notícia : são palavras de Bento XVI refletindo sobre Santa Mônica...

Ele dedicou algumas catequeses à mãe de Santo Agostinho, considerada modelo e padroeira das mães cristãs.

Ser constantes no bem, apesar das dificuldades e das incompreensões : é o ensinamento que o Pontífice colhe de Santa Mônica, que ajudou o marido pagão a ‘descobrir a beleza da fé’ e muitas lágrimas derramou, acompanhadas de oração pela conversão do filho, Agostinho :

Mônica jamais deixou de rezar por ele e pela sua conversão, teve a consolação de vê-lo voltar à fé e receber o batismo. Deus ouviu as orações desta santa mãe, à qual o bispo de Hipona dissera : é impossível que um filho de tantas lágrimas se perca.’ (Angelus, 30 de agosto de 2009)

Diante da rebelião do filho, Mônica foi capaz de vencer o burburinho do mal com o silêncio do bem, um exemplo para muitas mães também hoje :

Quantas dificuldades também hoje nas relações familiares e quantas mães encontram-se angustiadas porque os filhos tomam caminhos errados! Mônica, mulher sábia e sólida na fé, convida-as a não desencorajarem, mas a perseverar na missão de esposas e de mães, mantendo firme a confiança em Deus e se agarrando com perseverança na oração.’ (Angelus, 27 de agosto de 2006)

Bento XVI recorda um célebre colóquio em Ostia entre Santa Mônica e Santo Agostinho : diante de si têm somente o mar e o céu e no silêncio ‘tocam o coração de Deus. Mostrando assim que no caminho rumo à Verdade devemos também saber silenciar e naquele silêncio ‘Deus pode falar :

Isto é sempre verdade também em nosso tempo : por vezes se tem uma espécie de temor do silêncio, do recolhimento, do pensar nas próprias ações, no sentido profundo da própria vida, muitas vezes se prefere viver somente o momento fugaz, iludindo-se que traga felicidade duradoura; se prefere viver, porque parece mais fácil, com superficialidade, sem pensar; se tem medo de buscar a Verdade ou talvez se tem medo que a Verdade nos encontre, nos agarre e mude a vida, como se deu com Santo Agostinho.’ (Audiência Geral, 25 de agosto de 2010)’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/igreja-celebra-santa-monica-jamais-desencorajar-se


segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Para um diálogo entre muçulmanos e cristãos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Zouhir Louassini, 
jornalista, trabalha na Rai Notíciasprofessor convidado 
em várias universidades e colaborador em jornais árabes, 
incluindo al-Hayat , Lakome e al-Alam , e Radio Medi1 (Marrocos). 

‘Há muitos anos num encontro organizado pela mesquita de Madrid sobre o diálogo entre muçulmanos e cristãos, vivi uma experiência que me fez compreender como é difícil iniciar um diálogo verdadeiro entre as religiões. No congresso estava presente um jovem religioso, imã de uma pequena mesquita numa localidade espanhola, que me contou como foi apoiado pelas irmãs católicas para construir o seu lugar de culto e também como a Igreja tinha ajudado a pequena comunidade muçulmana na zona. Uma terceira pessoa que estava ali conosco, um pouco provocatoriamente, disse com um sorriso: ‘mas então, não são infiéis!’. O religioso replicou irado : ‘São sempre infiéis e a sua única salvação consiste na conversão ao islão!’. E encaminhou-se para a sala a fim de participar no debate programado sobre o diálogo religioso.
  
Com o tempo aprendi que se dialoga não só com quem quer dialogar mas também com quem, efetivamente, o pode fazer. Com efeito, o diálogo entre as religiões não pode consistir apenas no encontrar-se em congressos para falar do tempo, de comida; e muito menos em limitar-se a exaltar o valor da própria fé. O diálogo precisa de sinceridade, de estima entre os interlocutores e, sobretudo, de um conhecimento verdadeiro do outro.

No distante ano de 1967 o historiador e sociólogo Abdallah Laroui publicou na França um dos livros mais úteis para compreender a realidade árabe e a sua evolução : L'idéologie arabe contemporaine : essai critique, com uma introdução de Maxime Rodinson. Naquela obra indica com perspicácia o denominador comum que desempenhou um papel fundamental na elaboração e na expressão de todas as ideologias no mundo árabe: a relação com o Ocidente. Com efeito, há um século que os árabes se definem só em relação ao mundo ocidental e aos seus valores.

Para Laroui esta busca de si próprios gerou três tipos de ideologias, ou melhor, três ‘tipos de árabes. O primeiro tipo é o ‘liberal’ : é homem político, convencido de que o atraso do mundo árabe é o resultado de muitos séculos de obscurantismo sob o predomínio otomano. A solução, a seu parecer, encontra-se na filosofia das Luzes e na defesa da democracia liberal.

O ‘tecnófilo’ é o segundo tipo : este acredita que nem a liberdade política nem o parlamento sejam o segredo do poder do ocidente. Ao contrário, este consistiria na tecnologia e nas ciências aplicadas que explicaria o seu domínio sobre o mundo.

Por fim, o ‘clérigo’, o homem religioso, que manteve bem firme a oposição entre ocidente e oriente no âmbito da relação entre cristianismo e islão : este terceiro tipo de árabe procura mostrar que o islão foi e será superior ao cristianismo.

Portanto, três tipos. Para os primeiros dois o ocidente pode oferecer modelos a seguir; para o terceiro, ao contrário, fora do próprio mundo há só uma ameaça contra a qual é preciso reagir. Por vários motivos, difíceis de resumir num breve artigo, hoje é o último tipo que predomina culturalmente no mundo árabe.

O terceiro tipo resume uma realidade muito complexa. Nela, privada de verdadeiras instituições religiosas que orientem as suas opções, os que têm um mínimo de influência são incapazes de sair de esquemas mentais, ideológicos, políticos pertencentes a outras épocas. Ao mesmo tempo, os que modernizaram a sua abordagem ao problema permanecem totalmente isolados.

É esta hoje a situação no mundo árabe. Realidades extremistas como o ISIS, um grupo que não supera vinte mil pessoas, mais não são que a ponta do icebergue. Se quisermos começar a derreter este enorme bloco de gelo, seria justo e oportuno partir do fato que os muçulmanos moderados, mesmo se emudecidos, são a maioria. Eles são os únicos interlocutores possíveis para um diálogo baseado no conhecimento, no respeito e na estima recíproca.


Fonte :
* Artigo na íntegra de
 http://www.news.va/pt/news/para-um-dialogo-entre-muculmanos-e-cristaos-os-uni


domingo, 24 de agosto de 2014

São Luís de França

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Nasceu em 1214 e subiu ao trono de França aos vinte e dois anos de idade. Contraiu matrimonio e teve onze filhos aquém ele próprio deu uma excelente educação. Distinguiu-se pelo seu espírito de penitência e oração e pelo seu amor aos pobres. Na administração do reino foi notável o seu zelo pela paz entre os povos, e mostrou-se tão diligente na promoção material dos seus súditos como na sua promoção espiritual. Empreendeu duas cruzadas para libertar o sepulcro de Cristo e morreu perto de Cartago no ano 1270.


A Liturgia das Horas e a reflexão no dia de São Luís de França :

Ofício das Leituras

Segunda leitura
Do Testamento Espiritual de São Luis, Rei de França, a seu filho
(Acta Sanctorum Augusti 5 (1868), 546)     (Séc.XIII)

O rei justo faz prosperar o país
Caro filho, antes de tudo começo por ensinar-te a amar o Senhor, teu Deus, com todo o coração, com todas as tuas forças, porque sem isso ninguém tem valor.

Filho, deves evitar tudo quando sabes desagradar a Deus, quer dizer, o pecado mortal, de tal forma que prefiras ser atormentado por toda sorte de martírios a cometer um pecado mortal.

Ademais, se o Senhor permitir que te advenha alguma tribulação, deves suportá-la com serenidade e ação de graças. Considera suceder tal coisa em teu proveito e que, talvez, a tenhas merecido. Além disso, se o Senhor te conceder a prosperidade, tens de agradecer-lhe humildemente, tomando cuidado para que nesta circunstância não te tornes pior, por vanglória ou outro modo qualquer, porque não deves ir contra Deus ou ofendê-lo valendo-se de seus dons.

Ouve com boa disposição e piedade o ofício da Igreja e enquanto estiveres no templo, cuida de não vagueares os olhos ao redor, de não falar sem necessidade, mas roga ao Senhor devotamente quer pelos lábios quer pelo coração.

Guarda um coração compassivo para com os pobres, infelizes e aflitos e, quando puderes, auxilia-os e consola-os. Por todos os benefícios que te foram dados por Deus, rende-lhe graças para te tornares digno de receberes maiores. Em relação a teus súditos, sê justo até ao extremo da justiça sem de te desviares para a direita nem para esquerda: e põe-te sempre de preferência da parte do pobre mais do que do rico, até estares bem certo da verdade. Procura com empenho que todos os seus súditos sejam protegidos pela justiça e pela paz, principalmente as pessoas eclesiásticas e religiosas.

Sê delicado e obediente à nossa mãe, a Igreja Romana, ao Sumo Pontífice, como pai espiritual.  Esforça-te por remover de teu país todo pecado, sobretudo o das blasfêmia e da heresia.

Ó filho muito amado, dou-te enfim, toda bênção que um pai pode dar a um filho; e toda a Trindade e todos os santos te guardem do mal. Que o Senhor conceda a graça de fazer sua vontade de forma a ser servido e honrado por ti. E assim depois desta vida, iremos juntos vê-lo, amá-lo, louvá-lo sem fim. Amém.


Fonte :
‘In Liturgia das Horas IV’, 1226, 1228


Entre diálogo e emoção

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
  
‘A dinâmica entre diálogo e emoção configura ou enfraquece a cultura de um povo e o sentido de sua identidade. Cada pessoa sofre os efeitos deste complexo processo, com incidências sobre o modo de se viver. O resultado final é um tipo de cidadania, ou aquilo que se reconhece por ‘brasilidade’. Vale a análise da seriedade com que um povo realiza e respeita seus compromissos cidadãos. A corrupção é uma referência bem concreta do resultado deste processo entre diálogo e emoção. Trata-se de um binômio que entrelaça e influencia fortemente o jeito de ser de cada cidadão e o torna peça da engrenagem que faz a sociedade funcionar de um determinado modo. Pode produzir descompassos, alimentando as brechas vergonhosas entre ricos e pobres; fazer da política um mecanismo de interesses exclusivamente partidários, com a consequente perda do seu nobre sentido de priorizar o equilíbrio social. Esse processo que envolve diálogo e emoção também incide na ambiência religiosa, produzindo todo tipo de prática. É possível que resulte em manipulação, enriquecimento e outros absurdos, em detrimento da dimensão intrínseca à fé verdadeira, ao menos no que diz respeito ao Evangelho de Jesus Cristo - o compromisso com a justiça e uma incansável luta por ela.

A discussão filosófica sobre a emoção é extensa. Aristóteles a compreende como uma das três classes de coisas que se encontram na alma. Ela desempenha, neste sentido, um determinante papel na vida humana. O consenso é que as emoções sejam harmonizadas, para que não se pendule entre a hegemonia dos sentimentos e a tendência de eliminá-los. Existem emoções más. Algumas, inclusive, são produzidas para se alcançar metas questionáveis. Há também aquelas que temperam a existência, sem deixar prevalecer a perturbação que leva à perda da serenidade e o consequente comprometimento da racionalidade. A prevalência dos sentimentos ruins prejudica a articulação entre o diálogo e a emoção. Produz nefastos resultados para a cultura. Também promove atrasos em respostas, aumento irracional da burocratização, disputas injustificáveis entre grupos e pessoas. Consequentemente, convive-se com grandes perdas de oportunidade e não se alcança a seriedade cidadã que alavanca o desenvolvimento integral da sociedade. Esta fragilidade pode ser corrigida com a força, a abertura e a exercitação do diálogo.

Dialogar não é apenas uma disputa. Trata-se de uma arte, método rigoroso de conceitualização que promove um processo cognitivo, temperado pelo que é bom das emoções. A dinâmica dialogal, no entanto, não pode ser confundida com os elementos que compõem um tratado geral sobre a fofoca, nem a produção de peças para desmoralização dos outros, muito menos enrijecimentos conceituais que irracionalmente levam muitos a construírem, para si mesmos e para seus pares, um lugar para julgar os outros. Isso está longe da dinâmica dialogal. O ensino formal e as práticas educativas na vida comum de uma sociedade podem ou não emoldurar a cidadania no equilíbrio entre diálogo e emoção. As polarizações emocionais produzem irracionalidades que cegam e comprometem processos políticos, a autenticidade da religiosidade. Formam os guetos institucionais e alimentam a rigidez cultural. Inviabilizam, assim, a inovação, porque prejudicam a racionalidade e, consequentemente, a inspiração necessária para as mudanças importantes.

Esta reflexão pode servir para analisar e gerar novos entendimentos a respeito do que se passa na sociedade brasileira, no atual contexto eleitoral, como também contribuir para o tratamento adequado a ser dado aos gravíssimos problemas sociais que pesam sobre os ombros dos pobres, em relação à habitação, educação, saúde, trabalho. São necessários entendimentos criativos e cidadãos, indispensáveis para que a sociedade brasileira avance, não apenas nos resultados econômicos, mas também nos aspectos políticos e sociais.

A sociedade precisa de cidadãos articulados entre diálogo e emoção, pilares de uma moralidade sadia e remédio para os absurdos que estão sendo gerados pela falta de proximidade, pelo descompasso emocional de muita gente. Pessoas que, muitas vezes, são amparadas por certa militância digital que aparentemente constitui lugar de aproximação, mas apenas acentua distâncias. Atitude sábia diante das irracionalidades é seguir a indicação poética de Fernando Pessoa : ‘Segue teu caminho, rega as tuas plantas, ama as tuas rosas. O resto é a sombra de árvores alheias’.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/entre-dialogo-e-emocao


sábado, 23 de agosto de 2014

São Bartolomeu, Apóstolo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Nasceu em Caná. O apóstolo Filipe conduziu-o a Jesus. Diz uma tradição que depois da Ascensão do Senhor pregou o Evangelho na Índia e aí recebeu a coroa do martírio.


A Liturgia das Horas e a reflexão no dia de São Bartolomeu, apóstolo :

Ofício das Leituras

Segunda leitura
Das Homilias sobre a Primeira Carta aos Coríntios,
de São João Crisóstomo, bispo
(Hom. 4,3.4:PG61,34-36)     (Séc.IV)

A fraqueza de Deus é mais forte que os homens
Por meio de homens ignorantes a cruz persuadiu, e mais, persuadiu a terra inteira. Não falava de coisas sem importância, mas de Deus, da verdadeira religião, do modo de viver o Evangelho e do futuro juízo. De incultos e ignorantes fez amigos da sabedoria. Vê como a loucura de Deus é mais sábia que os homens e a fraqueza, mais forte.

De que modo mais forte? Cobriu toda a terra, cativou a todos por seu poder. Sucedeu exatamente o contrário do que pretendiam aqueles que tentavam apagar o nome do Crucificado. Este nome floresceu e cresceu enormemente. Mas seus inimigos pereceram em ruína total. Sendo vivos, lutando contra o morto, nada conseguiram. Por isso, quando o grego me chama de morto, mostra-se totalmente insensato, pois eu, que a seus olhos passo por ignorante, me revelo mais sábio que os sábios. Ele, tratando-me de fraco, dá provas de ser o mais fraco. Tudo o que, pela graça de Deus, souberam realizar aqueles publicanos e pescadores, os filósofos, os reis, numa palavra, todo o mundo perscrutando inúmeras coisas, nem mesmo puderam imaginar.
 
Pensando nisto, Paulo dizia : O que é fraqueza de Deus é mais forte que todos os homens (1Cor 1,25). Com isso se prova a pregação divina. Quando é que se pensou : doze homens, sem instrução, morando em lagos, rios e desertos, que se lançam a tão grande empresa? Quando se pensou que pessoas que talvez nunca houvessem pisado em uma cidade e, em sua praça pública, atacassem o mundo inteiro? Quem sobre eles escreveu, mostrou claramente que eles eram medrosos e pusilânimes, sem querer negar ou esconder os defeitos deles. Ora, este é o maior argumento em favor de sua veracidade. Que diz então a respeito deles? Que, preso o Cristo depois de tantos milagres feitos, uns fugiram, o principal deles o negou.

Donde lhes veio que, durante a vida de Cristo, não resistiram à fúria dos judeus, mas, uma vez ele morto e sepultado – visto que, como dizeis, Cristo não ressuscitou, nem lhes falou, nem os encorajou – entraram em luta contra o mundo inteiro? Não teriam dito, ao contrário : ‘Que é isto? Não pôde salvar-se, vai proteger-nos agora? Ainda vivo, não socorreu a si mesmo, e morto, nos estenderá a mão? Vivo, não sujeitou povo algum, e nós iremos convencer o mundo inteiro, só com dizer seu nome? Como não será insensato não só fazer, mas até pensar tal coisa?

Por este motivo é evidente que, se não o tivessem visto ressuscitado e recebido assim a grande prova de seu poder, jamais se teriam lançado em tamanha aventura.


Fonte :
‘In Liturgia das Horas IV’, 1223, 1225