sexta-feira, 12 de junho de 2015

Cristãos no Irã : Cristianismo na sombra

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Bernardo Cervellera,
Missionário do PIME


No Irã, os 350 mil cristãos existentes não são perseguidos, mas vivem como num gueto, isolados do resto da sociedade. Têm liberdade, porém, somente dentro das fronteiras das igrejas. Pratica-se a tolerância entre grupos circunvizinhos, todavia sem diálogo entre si. 


‘No ano passado, fui visitar o Irã para me encontrar com o seu povo, os seus jovens, as suas Igrejas. Queria compreender como vivem os quase 350 mil cristãos neste fascinante país, pertencentes a diversos ritos. Uns vivem uma perseguição sufocante; outros numa maravilhosa liberdade. Tendo em conta que o país é 98 por cento muçulmano (86 por cento de xiitas; 10,1 por cento de sunitas e dois por cento de outros muçulmanos), a liberdade está garantida aos cristãos; sem dúvida que há maior respeito do que noutros países da região, se bem que não faltam problemas e violências.


Rouhani : novas esperanças

A minha viagem entre os cristãos do Irã começa com uma visita ao Ministério das Minorias, guiada pelo aiatolá, Ali Younesi, que gere as relações entre cristãos e judeus, mas também com as minorias étnicas, entre as quais os balucos e os curdos, sempre inquietos em relação ao Governo central. Este ministério, diz-me, foi vontade do próprio presidente Hassan Rouhani, ‘que ama os direitos de todos os cidadãos, de qualquer religião, raça, cultura. Todo o povo iraniano deve gozar dos mesmos direitos e da mesma dignidade’.

Um representante cristão no Majlis (Parlamento), o Sr. Yohanathan Betkolia, assírio, está entusiasmado com Rouhani e com a sua nova orientação. Disse-me que a comunidade assíria-caldeia está no Irã há três mil anos (quiçá como etnia!), que cristãos e muçulmanos vivem juntos há 1400 anos : que em Urmiveh, no Norte do país, onde se encontram as primeiras marcas cristãs, estão conservados os túmulos dos Reis Magos; que há muitas igrejas que agora, com o êxodo dos cristãos, são cuidadas por muçulmanos.

Pergunto-lhe se nestes anos os representantes cristãos no Parlamento conseguiram algum resultado para melhorar a liberdade religiosa dos cristãos. Conta-me um fato interessante : até há pouco tempo havia uma lei antiga que garantia o assim chamado ‘preço do sangue’ : se alguém era assassinado e o homicida era preso e condenado, este devia pagar o preço do sangue à família do assassinado. Contudo, para um muçulmano tal preço era de 60 milhões de riais; para um cristão, era de três milhões de riais. Os representantes das minorias conseguiram que o preço do sangue fosse igual para todos, cristãos e muçulmanos, 150 milhões de riais.

Outra lei que está por mudar é a da sucessão. Tal lei impõe que se um membro da família é muçulmano, toda a herança vá para ele e não seja subdividida entre os membros. Isto levou, amiúde, a falsas conversões ao Islã ditadas pelo desejo de possuir todos os bens da família. É precisamente esta a lei que o ministro Younesi quer alterar.

As conversões do Islã a outra religião, e vice-versa, são um ponto que dá medo no Irã. ‘Não gostamos – diz – que os muçulmanos obriguem as minorias a converter-se ao Islã. E tão-pouco que as minorias façam proselitismo (literal : ‘propaganda com finalidade de dar a volta à cabeça’)… Queremos que cada um viva junto do outro, que a mesquita esteja ao lado da igreja. Porém, não desejamos nem o proselitismo, nem a conversão. A unidade nacional e a segurança do nosso país são ameaçadas : este equilíbrio que atualmente existe entre nós é a favor das minorias e nós não queremos quebrá-lo.

A ‘segurança’ é, portanto, o motivo pelo qual não se aceitam conversões num sentido ou no outro. E é a razão por que o proselitismo é perseguido como um crime. Segundo o Christianity Today (publicação anglicana) de 27 de Outubro de 2014, há pelo menos 49 membros protestantes presos, acusados de ‘proselitismo’.

Mas se o proselitismo – como pressão e manipulação da consciência do outro – é condenável, permanece o facto de que falar em público da própria fé cristã arrisca-se a ser classificado como ‘proselitismo’ e, assim, é proibido. Esta situação levou as comunidades cristãs a fechar-se, pouco a pouco, nos seus grupos, impossibilitadas de expor a sua própria fé exteriormente, assistindo a um crescimento por ‘via demográfica’, com o batismo limitado aos filhos de cristãos.

Para o núncio vaticano, Dom Leo Boccardi, é verdade que há menos impedimentos à missão, ‘no entanto, com tudo isto existe ainda espaço disponível para diálogos com o mundo islâmico. Não obstante, aqui as igrejas têm liberdade de culto, algo que é impossível ver noutros lados : são seguras, ninguém lhes toca; não há terrorismo’. O núncio, muito optimista, fala de uma ‘nova atmosfera’ trazida por Rouhani e de um sentido de maior liberdade.


Vive-se como num gueto

Outro golpe à presença cristã foi a emigração, talvez devida a perseguições diretas, às dificuldades economicas, às guerras, à pressão social. Por isso, as comunidades cristãs são todas microscópicas. Visitei a Igreja armenio-católica de Teerã : umas 200 pessoas, umas 60 famílias. Estiveram sem bispo durante dois anos, e isto, conjuntamente com a emigração para o estrangeiro, contribuiu para uma maior dispersão. O episcopado é uma casita de dois pisos, com uma escadinha interna, estreita e empinada. Metade do espaço está destinada a escritórios e a outra metade funciona como habitação do bispo, Dom Neshan Karakeheyan, administrador patriarcal de Isfahan, que já chegou à idade da jubilação e parece muito cansado. Enquanto me oferecem doces (é domingo) e um chá, ele conta-me sobre a situação. O bispo faz notar que no Irã não há perseguição violenta e há segurança para os cristãos, não devendo, porém, dizer-se que os cristãos têm todos os direitos como os outros cidadãos : sim, são aceites, mas não podem fazer proselitismo (e missão); faz-se pastoral no interior da comunidade, mas nada em público ou que se veja; e sobretudo nada de conversões. Um estribilho que muitos me repetiram é que as comunidades cristãs são obrigadas a dizer aos muçulmanos que vêm pedir o batismo que é melhor não serem batizados, pois, caso contrário, criariam uma forte discrepância com o Governo.

Ouvindo alguns leigos, percebo que há uma certa marginalização na sociedade : os armenios têm muitos licenciados, mas nenhum deles pode ser chefe de uma repartição; há muitos soldados (o serviço militar é obrigatório), mas nenhum chega a coronel ou general; há muitos docentes, mas nenhum é diretor. Também nas escolas armenias, o diretor é nomeado pelo Governo e é um muçulmano. Nas escolas seguem-se os planos pedagógicos do Governo, mas as escolas cristãs têm a liberdade de não ensinar o Islã e têm duas ou três lições de catecismo por semana para os estudantes armenios.

As atividades pastorais (catecismo, encontro…) realizam-se às sextas-feiras, que aqui é dia de festa, e tomou o lugar do domingo. Uma ou outra comunidade até celebra a Missa dominical à sexta-feira porque os seus membros não conseguem ter outro dia livre durante a semana. 



Fascínio pelas igrejas

As igrejas cristãs fascinam os iranianos pelo silêncio que reina, a harmonia, a beleza, as pinturas e os manuscritos ilustrados. À saída da igreja, de um dos lados do edifício, há uma gruta de Lourdes, com muitos ex-votos de pessoas curadas ou de mulheres que puderam ter filhos graças à Virgem. Diante da estátua de Maria, uma mulher detém-se em silêncio, envolta no chador preto. Depois de se ter afastado, dizem-me que é uma muçulmana casada há bastante tempo e que não consegue ter filhos. Deste modo, vem frequentemente colocar-se diante da Virgem para pedir esta graça.

Deslocamo-nos à igreja de São José, onde se reúne a comunidade caldeia. Recebe-nos um sacerdote. Após alguns minutos de oração, vamos visitar o bispo, Dom Ramzi Garmou, um homem de uns 70 anos com ar nobre e robusto, que se ocupa dos seus quase dois mil fiéis. A uma pergunta sobre a missão da Igreja, também ele me diz que devem afastar os muçulmanos que pedem para ser batizados. Mas também Dom Ramzi nos faz notar que os cristãos vivem seguros, sem ataques de nenhum tipo. E faz uma comparação com o Iraque e com o que lhe conta com frequência o patriarca de Bagdad.

A impressão de que os cristãos vivam como num gueto, tolerados mas divididos e isolados do resto da sociedade é fortíssima quando vou visitar o centro de Ararat, da comunidade armenia apostólica. O centro está dotado de tudo : piscina, campo de futebol, uma igreja moderna, um bar e até uma escola de dança e música para meninas e adolescentes armenias. Nos tempos de Khomeini eram proibidos o canto e a dança. Também recentemente, com Ahmadinejad, o predecessor de Rouhani, faziam campanhas moralizadoras contra os jovens que se encontravam para cantar e dançar. Contudo, no presente, pelo menos em Teerã, vêem-se jovens que tocam guitarra nos jardins e ousam levar camisas de mangas curtas.

Por fim, visitamos a pequena capela armenia, de estilo moderno, mas com a típica cúpula em forma de cone e com arte armenia contemporânea, cheia de espiritualidade. À volta do edifício, há algumas antigas pedras tumulares levadas para ali dos cemitérios armenios de todo o Irã, sinal de uma larga história desta comunidade perseguida durante séculos. No interior da igreja, há uma escultura, uma Virgem com o Menino estilizada, que poderia muito bem estar num museu de arte moderna. Mesmo encerrados num gueto, a criatividade não se tornou árida.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EuFFkukulljEbzuhox


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