segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O drama dos albinos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Giorgio Brocco, 
Doutorado em Antropologia social e cultural, 
Universidade Livre de Berlim


A Tanzânia é o país do mundo com maior percentagem de albinos. Crianças e adultos com a anomalia continuam a ser vítimas de um mercado oculto, favorecido por superstições, que utiliza o seu corpo e sangue em rituais que visam atrair riqueza, saúde e sorte.


«Sisi, kama albino, watu weny ulemavu wa ngozi, hapa nchini Tanzania, tuna matatizo mengi sasa kama muda wote!». «Nós, enquanto albinos, pessoas com albinismo, aqui na Tanzânia temos muitos problemas agora e sempre!»

Foram estas as palavras que um dos responsáveis da organização das pessoas com albinismo na Tanzânia (Tanzania Albinism Society) pronunciou num encontro no hospital do Ocean Road Cancer Institute, em Dar es Salaam. Era Março e no dia anterior tinha recebido a notícia de uma outra, mais uma, criança com albinismo, na região de Geita, subtraída com violência à mãe e barbaramente assassinada. O seu corpo teria sido encontrado cerca de uma semana depois numa fossa, com os membros amputados. Desde o início de 2000, foram registadas por parte das autoridades tanzanianas cerca de 76 mortes e mais de 100 agressões contra pessoas com albinismo nas regiões dos Grandes Lagos (Mwanza, Shinyanga, Tabora, etc.).

As razões destas atrocidades podem encontrar-se na marginalização social das pessoas com albinismo e no chamado ‘mercado do oculto’, no seio do qual vigora a crença de que os membros e o sangue das pessoas com albinismo podem trazer riqueza e sorte aos garimpeiros de minerais, aos pescadores das indústrias limítrofes do lago Vitória e a poderosos homens de negócios tanzanianos. Por tais motivos, aumentam as atrocidades e os homicídios contra os albinos, por exemplo, por altura das eleições nacionais, como as que se realizaram no passado 25 de Outubro.


O estigma

O albinismo é uma anomalia que se manifesta fenotipicamente por meio da falta de pigmentação da pele, do cabelo e das pupilas. Na Tanzânia, embora não se tenha feito ainda um recenseamento nacional, calcula-se que a percentagem de pessoas com albinismo seja claramente superior à média europeia e americana : cerca de um indivíduo por cada 20 mil. O Governo tanzaniano calculou – no último recenseamento nacional, realizado em 2012 – que a população com albinismo seja composta por ao menos 16 mil indivíduos, equivalente a 0,04 % num total de quase 45 milhões de habitantes. Segundo outras fontes, entre as quais a prestigiada revista Bmc Public Health Journal, haveria no país cerca de uma pessoa com albinismo em cada 4 mil indivíduos.

Na Tanzânia, chamam-lhes habitualmente zeruzeru (fantasma), dili (oferta) e mzungu (europeu, pessoa de pele branca). Termos ofensivos, testemunho direto do estigma e da discriminação de que são vítimas. Uma discriminação que se perpetua desde há muito pelas ruas das aldeias e das cidades tanzanianas. Mas que se manifesta também a nível oficial. Um sinal disso está patente no vocabulário da língua suaíli (Kamusi ya Kiswahili Sanifu) : zeruzeru, de fato, é indicado, juntamente com albino, como termo para designar as pessoas com albinismo.

A sua marginalização nas comunidades, também por razões econômicas, contribuiu para o seu isolamento e reforçou os preconceitos. Até há alguns anos, nas pequenas aldeias do distrito de Kilolo (região de Iringa) era corrente a ideia de que o albinismo era uma maldição (laana) infligida pelos antepassados ou por Deus, pelas malfeitorias realizadas no passado por um dos membros, à família em que tinha nascido a criança com esta anomalia congénita. Ainda hoje, uma mulher que dê à luz uma criança com albinismo é considerada pela comunidade, e em alguns casos pelo próprio marido, um ser fraco (mtu mgonjwa) enquanto não der à luz um indivíduo ‘saudável’. Em alguns casos, só o fato de se olhar para uma pessoa com albinismo, ou comer alimentos confeccionados por ela, pensa-se que possa causar o nascimento de prole com aquele problema.

E as discriminações acontecem mesmo nas grandes cidades, e não apenas nas povoações rurais. Em Dar es Salaam ou em Iringa alguns empregadores decidiram não admitir pessoas com albinismo porque consideradas incapazes de desenvolver tarefas simples, porque não são dotadas de suficientes capacidades intelectivas. Todavia, a cidade é mais inclusiva e oferece maiores oportunidades do que as zonas rurais. Para uma melhoria da situação concorrem também os novos meios de comunicação, Internet e as campanhas de sensibilização conduzidas por organizações governamentais e não-governamentais. Não é por acaso que termos como ‘albino’ ou mtu mwenye ulamavu wa ngozi (‘pessoa com deficiência da pele’) estejam muito difundidos em Dar es Salaam ou em Mwanza, comparativamente a outros lugares.


Mortes em massa e excluídos

De 2008 até hoje, o Governo assumiu muitas medidas para conter o fenômeno das mortes das pessoas com albinismo. Na sequência de pressões da comunidade internacional, o presidente da Tanzânia, Jakaya Kikwete, condenando as atrocidades em relação a estas pessoas, afirmou várias vezes pretender organizar uma força conjunta composta pelo exército, pelos membros de algumas organizações de curandeiros tradicionais (waganga wa jadi) para descobrir os malfeitores e os ‘bruxos’ que cometem tais barbáries contra pessoas com albinismo. Em Março deste ano, foi sentenciada a condenação à morte de quatro indivíduos culpados de terem matado uma menina, e as listas nacionais de curandeiros tradicionais foram ulteriormente revistas e atualizadas.

Por seu lado, a Tas (Tanzânia Albinism Society) e a UTSS (Under the Same Sun) – uma ONG cristã-pentecostal fundada no Canadá – são muito ativas em organizar campanhas de sensibilização em todo o país. Dia 13 de Junho é a data escolhida para celebrar o Dia Internacional do Albinismo em Arusha, declarado pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Além disso, a UTSS, desde a sua criação em 2008, distribuiu mais de 320 bolsas de estudo a pessoas com albinismo, prodigalizando-se na distribuição em larga escala de cremes solares, em colaboração com o Kilimanjaro Christian Medical Center. A estrutura sanitária, fundada pela Good Samaritarian Foundation, dispõe de um centro de dermatologia avançado para o tratamento de cancros da pele e lançou um programa para produzir cremes solares in loco e distribuí-los gratuitamente em todo o país.

Também as comunidades cristãs e muçulmanas tanzanianas se mobilizaram de imediato para condenar o fenômeno dos homicídios cometidos na região dos Grandes Lagos e para iniciar programas humanitários a fim de distribuir cremes solares e medicamentos à população com albinismo.

O Exército de Salvação, por exemplo, distribui bolsas de estudo aos estudantes com albinismo de algumas escolas primárias no distrito de Itala, em Dar es Salaam; também a Muzdafarah Charity Organization, com a ajuda do embaixador turco, lançou um programa para a distribuição de cremes solares e medicamentos.


O que é o albinismo?

O albinismo é uma anomalia genética que produz um defeito na produção de melanina. Esta irregularidade é a causa da ausência total ou parcial de pigmentação da pele, dos olhos e dos cabelos. O albinismo é hereditário e afeta todas as raças.

De acordo com um estudo publicado pelo Instituto Nacional de Saúde, dos Estados Unidos, uma em cada 17 mil pessoas tem albinismo em todo o mundo.

A Tanzânia é o país com maior percentagem de albinos. Estima-se que no país africano um em cada 1400 habitantes seja albino, ou seja, sete vezes mais do que no resto do mundo.’


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