segunda-feira, 11 de julho de 2016

Deus não existe! A própria Bíblia diz

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


*Artigo de Felipe Magalhães Francisco,
Mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.
Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações,
da Arquidiocese de Belo Horizonte.


As Sagradas Escrituras já não são vistas como fonte, mas como reservatório.

‘Sim, a Bíblia diz, exatamente, isto : ‘Deus não existe!’. Está no versículo primeiro do Salmo 14 (13). Podem conferir. Há a possibilidade de se sustentar tudo e qualquer ideia a partir da Bíblia. Lembrem-se os leitores e leitoras, que a palavra Bíblia significa biblioteca. Os que pausaram a leitura para conferir o citado Salmo já descobriram que a fala ‘Deus não existe!’ é atribuída aos insensatos – os que não se deram ao trabalho de procurar, agora já sabem!

O título desse artigo demonstra uma técnica, infelizmente, muito comum nos meios religiosos fundamentalistas. Quando o assunto é Bíblia, importa dizer, todos corremos o risco de nos tornarmos fundamentalistas. Isso porque a Bíblia é compreendida como um livro sagrado e, geralmente, nosso envolvimento com ela é no nível da fé. O conflito é : como colocar em dúvida o que o texto diz, se ele é digno de fé? É nesse contexto em que todos estamos incluídos, quando digo da possibilidade de todos nos comportarmos como fundamentalistas, ao lermos as Sagradas Escrituras. Para minar essa possibilidade, apenas uma autêntica formação bíblica. Ao fim, perceberemos que não se trata de colocar em dúvida o que a Bíblia diz, mas de compreendê-la em seu contexto, bem como compreender os desdobramentos do que ela diz, em nossos dias.

Uma das características do fundamentalismo é o que chamaremos, aqui, de teologia da pinça. Trata-se, justamente, do que fizemos ao escolher um versículo solto da Bíblia, excluindo-o de seu contexto. É possível, sim, fazer uma pregação e, até mesmo, um longo retiro espiritual tendo como apoio apenas um versículo bíblico. Entretanto, isso seria possível, de forma honesta para com o texto, desde que não o tiremos de seu contexto. Já nos diz o velho e acertado ditado: o texto, fora do contexto, é motivo para pretexto.

No exercício religioso de muitos líderes, essa teologia da pinça é muito usual. Para confirmar um argumento, seja esse honesto ou absurdo, usa-se de um versículo bíblico, para dar garantias de que o que se argumenta deve ser levado a sério, pois a própria Bíblia confirma. Trata-se de usar a autoridade bíblica para difundir um pensamento que é próprio de quem prega. Barbaridades são feitas desse modo. A prática já não se limita aos líderes religiosos. Ela já atingiu os fiéis. Basta um acesso rápido às redes sociais para se atestar isso.

Há pouco tempo, a cantora gospel Ana Paula Valadão propôs um boicote a uma loja, porque a propaganda relativizava os papéis de gênero na sociedade. As reações foram muitas, tanto dos prós quanto dos que estavam contra. Uma coisa me chamou a atenção : nos comentários, o uso deliberado do livro de Levíticos para propagar a abominação de Deus em relação aos homossexuais. Os contrários a essa leitura citavam outros versículos do mesmo livro, com outras proibições hoje ignoradas pelos cristãos, como, por exemplo, a proibição em comer carne de porco e de fazer a barba, entre outras.

As reações dos militantes fundamentalistas foram imediatas, a partir do argumento da nova aliança em Jesus. Segundo a leitura deles, em Jesus, todos estamos desobrigados ao cumprimento das leis veterotestamentárias. Mas só para algumas coisas, como podemos ver! Afinal, o mesmo livro é usado para argumento de proibição de uma coisa, mas não vale para autenticar outras proibições. E tudo a partir de uma errônea leitura daquilo que significa a nova aliança em Jesus. Ora, ele próprio disse : ‘Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para cumprir’ (Mt 5,17).

Tal prática da pinça revela um uso utilitarista da Bíblia. As Sagradas Escrituras já não são vistas como fonte, mas como reservatório. A verdade bíblica, como Palavra de Deus, é a verdade da experiência de um povo que faz, ao longo da história, discernimentos de sua relação com Deus. Disso não podemos nos esquecer, pois essa é uma das grandes riquezas que a Bíblia nos traz. É preciso compreender que nada presente na Bíblia está solto : tudo se amarra de maneira orgânica.

Aos teólogos da pinça, um aviso, a partir da própria Bíblia : ‘Para todo o que ouve as palavras da profecia deste livro vai aqui o meu testemunho : se alguém lhe acrescentar qualquer coisa, Deus lhe acrescentará as pragas que estão aqui descritas. E se alguém retirar algo das palavras do livro desta profecia, Deus lhe retirará a sua parte da árvore da vida e da Cidade Santa, que se encontram descritas neste livro’ (Ap 22,18-19). E aí, para isso vale a literalidade ou não?’


Fonte :
* Artigo na íntegra


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