domingo, 20 de agosto de 2017

O mundo em contorções

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

As Cruzadas em terras do Oriente Médio, há muito foram sepultadas, contudo ergueram-se das trevas os exércitos do Estado Islâmico.
*Artigo de Evaldo D´Assumpção,
médico e escritor


‘Mais uma vez me faço a antiquíssima pergunta : ‘o que veio primeiro : o ovo ou a galinha?’ Explicando : o mundo está em dolorosas e assustadoras contorções, ou são apenas os noticiários que se multiplicam numa escala geométrica, desnudando assustadoramente essa condição que sempre existiu, mas estava semioculta pela insuficiência dos meios de divulgação? Ou, quem sabe, o que existia era bem menos e menor do que assistimos agora, e por isso não nos causava preocupações como hoje?

Vejamos : a política internacional estava aparentemente calma, os Estados Unidos e Cuba pareciam começar a se entender e a andar de mãos dadas, e de repente os americanos do norte cometeram o desatino de colocar na presidência um excêntrico multimilionário que nunca exerceu um cargo público. E, dizem as más línguas, com a ajuda do serviço secreto soviético. Com isso a relação com Cuba foi para o espaço, mesmo sendo este país um forte aliado dos russos. Dá para entender? Para complicar, a Coreia do Norte, liderada por um estranho e irritadiço filhote de papai, ameaça soltar atômicos fogos de artifício sobre as cabeças de japoneses, coreanos do sul, com sobra suficiente para os americanos do norte. Como Cuba e Coreia do Norte são aliados dos chineses e russos, o mundo fica sob a ameaça de destruição total. E mais : por quatro vezes e meia seguidas! Afinal essa é a possibilidade que eles alardeiam, com base no tamanho do arsenal nuclear que possuem. Pergunto : não bastaria destruí-lo todinho, uma vez só? Como, e para prenunciar a impossível reprise do apocalipse nuclear por tantas vezes?

As Cruzadas em terras do Oriente Médio, há muito foram sepultadas, contudo ergueram-se das trevas os exércitos do Estado Islâmico e as maiores barbáries explodiram nas TVs, nos jornais, nas redes sociais. Seus tentáculos se espalham pelo mundo, destroçando prédios, mutilando pessoas, usando corpos fragmentados de adultos e crianças para, em nome de um deus só existente em mentes doentias, tentar impor suas ideias – se é que as têm.

Deixando o noticiário internacional, volto meu olhar estarrecido para a outrora gentil pátria brasileira. Assisto então, com engulhos, o desfile de insanidades pela mídia noticiosa nacional, com escandalosa repercussão internacional. São revoltas nas penitenciárias, com detentos massacrando, decapitando, adubando com sangue o terreno que irá parir novas e maiores violências; as cracolândias nas médias e grandes cidades, onde verdadeiros zumbis desfilam dia e noite sua desgraça e sua rejeição social; a estupidez dos assaltos a mão armada contra pessoas indefesas, que são agredidas e até assassinadas por terem ousado carregar ‘apenas’ um celular obsoleto ou ter seus bolsos vazios, mesmo sendo isso a consequência do desemprego que castiga milhões de brasileiros. Estupros, patri e matricídios, toda essa indigesta e sanguinolenta salada enriquece matérias jornalísticas e bandeiras eleitorais nunca cumpridas.

Disputando o espaço midiático, talvez para contrabalançar as notícias catastróficas, desfilam pelas colunas sociais mulheres ricamente adornadas, homens sorridentes falando dos novos carros de super luxo, de seus helicópteros e jatinhos executivos, que lhes permitem ficar muito acima e bem mais distantes do comum dos mortais. E o que dizer dos rapazes e moças nessas mesmas colunas – certamente custeados pelos orgulhosos papais – exibindo as caríssimas roupas de grife, muitas delas verdadeiramente ridículas?

Lembrei-me do saudoso Millor Fernandes, que sob o pseudônimo de Vão Gogo pontificou, em formatação atualizada : ‘Quando a gente começa a pensar que os humanos ficaram inteligentes, vem um modista e estraga tudo…’ Quase todos absolutamente alienados do lado obscuro de nosso país, onde falta habitação, comida e roupas descentes, e sobretudo empregos com salários suficientes para proporcionar sobrevivência digna. Parece até que são dois mundos distintos, cada um num sistema planetário totalmente isolado do outro. Para defende-los, alguns se dizem ‘otimistas’ e seguem rigorosamente a cartilha do famoso Joãozinho Trinta, falecido em 2011, e que defendia a riqueza dos carros alegóricos do carnaval carioca e paulista, filosofando : ‘Quem gosta de pobreza é intelectual’.

Discordo, pois quem tem cérebro pensante não gosta de pobreza, apenas a denuncia por não se deixar alienar pelas cores douradas dos três dias de carnaval. Afinal, sua consciência crítica lhe recorda sempre que tudo vai se acabar na quarta-feira de cinzas, exceto o desemprego, a fome e a miséria...

E para encerrar esse triste desfile, surgem em destaque os ilustres políticos, certos juristas e alguns empresários, antes unidos numa relação espúria, mas agora trocando acusações e delações premiadas. Os três grupos, com as calças nas mãos e saudosos de suas mansões, serviçais e limusines, jatinhos e helicópteros, tudo sendo trocado, por golpes do azar – ou será da justiça? – por cubículos gradeados, latrinas devassadas e banhos coletivos de água fria. Isso sem falar das cabeças raspadas – ou quase – recordando-os dos seus cabelereiros (ou melhor será dizer ‘coiffeurs’, para respeitar seus pedigrees?), quase sempre regiamente remunerados com as verbas públicas de representação oficial, ou através dos famigerados cartões corporativos, cujos gastos são secretos porque afirmam ser questão de segurança nacional. E ignorando os federais, os promotores e juízes que ainda teimam em ser honestos, muitos continuam insistindo em criar leis para enriquece-los ainda mais, defendendo a farra dos aumentos de seus já polpudos salários, tripudiando os desempregados e os funcionários com salários congelados e pagamento atrasado, muitos sobrevivendo da caridade alheia.

O mundo está em contorções, como a história diz que esteve no ocaso do império romano, nas corrompidas Sodoma, Gomorra, Pompéia, e tantos outros exemplos lapidares.’


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