sábado, 30 de setembro de 2017

Revelações no deserto

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo do Padre Olmes Milani,
Missionário Scalabriniano


Com a palavra deserto podemos classificar diversas situações relacionadas com a vida, a mística e a natureza. Quando falamos em deserto natural de areias ou gelo, dependendo da visão que temos, podem surgir sentimentos de esperança ou de desespero, de oportunidades para a reflexão ou de fuga, de criatividade ou retirada, de vida ou morte. A sobrevivência no deserto depende, em grande parte de conhecimento, prudência, sabedoria e cuidado. Poderíamos estar mais seguros no deserto se entendêssemos a linguagem da natureza. Fora de qualquer dúvida sob o aspecto científico podemos ter longas conversas sobre a natureza, mas é na convivência com ela que aprendemos o inter-relacionamento proveitoso. O som do chocalho é o aviso que a serpente cascavel nos dá : ‘Não se aproxime porque minha única defesa é picar’. O frio dos polos ou calor dos desertos são avisos para que cuidemos do nosso corpo que não está em condições de suportar temperaturas extremas, por muito tempo.
Infelizmente a tecnologia com seus avanços esqueceu-se de levar em consideração o relacionamento real com a natureza. Vivemos fechados em ambientes climatizados. Muitas das nossas crianças sabem que é inverno, dependendo se o equipamento climatizador está no botão inverno ou verão. O trilar dos passarinhos é conhecido pelas gravações. As flores serão conhecidas por fotos ou amostras. Ninguém precisa sair de casa para ver alguma coisa. Já encontrei pessoas que descrevem perfeitamente bem, os edifícios futuristas de Dubai sem nunca terem estado aqui.
É muito diferente a sensação de quem tem contato direto com os elementos da natureza. Tanto na história do judaísmo como no cristianismo e islamismo, percebemos que seus grandes líderes, profetas e patriarcas mantiveram uma ligação de intimidade com o deserto. Foi lá onde receberam as revelações divinas.
Os israelitas, ao sair do Egito, sentiram fortemente a passagem de uma região fértil e verde, para o deserto da península do Sinai. No início de sua jornada, até preferiam voltar à escravidão. Porém, com a ajuda de Deus, obtiveram água e comida para a vida no deserto. Foi no deserto que receberam a lei e se transformaram em povo com sua legislação.
João Batista prepara o início da Missão de Cristo, no Deserto. O próprio Cristo retira-se no deserto onde permanece 40 dias em jejum, antes de dar início aos seus trabalhos.
O profeta Maomé dos muçulmanos, desde jovem, retirava-se nas cavernas das montanhas desertas, perto de Meca. Durante um passeio pelo deserto, Maomé teria ouvido chamar seu nome. Foi então que, segundo a tradição islâmica, recebeu do Arcanjo Gabriel os escritos que compõem o livro do Alcorão.
O deserto natural, como aquele do estado de espírito, para a contemplação, longe da agitação e poluição sonora urbana, pode ser a situação ideal para abrir-nos ao amor, esperança e felicidade.
Amigos e amigas, caminhamos pelas veredas da vida sob o olhar bondoso do Pai supremo.
Ele guiou seu povo pelo deserto, porque o seu amor é para sempre!’ (Salmo 136,16).’

Fonte :


quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Rezando o Pai-Nosso com São Tomás de Aquino (Parte 1)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Paulo Ricardo


‘Pai-Nosso, a mais perfeita das orações.
Ainda que percorramos todas as Escrituras, não encontraremos, nem mesmo entre os Salmos, uma oração mais bela e perfeita do que o Pai-Nosso. Na Oração do Senhor está contida toda a ciência da vida espiritual.
* * *
Durante seu último período de ensino em Nápoles, entre os anos de 1272 e 1273, Santo Tomás de Aquino dividiu-se entre a cátedra e o púlpito. É a essa época que pertence uma série de homilias quaresmais pregadas pelo Angélico em dialeto napolitano e posteriormente transcritas em latim por algum confrade seu. Entre as que sobreviveram ao tempo, encontra-se uma densa, mas sucinta exposição sobre o Pai-Nosso (Collationes in Orationem Dominicam), cujo prólogo apresentamos abaixo em nova tradução ao português. Trata-se de um ‘escrito’ que, com a liberdade típica de um sermão proferido ante um público de leigos e religiosos, preserva os traços característicos de um gênio teológico como o de Santo Tomás. Análise minuciosa, clareza expositiva e, sobretudo, o respaldo constante das Escrituras são algumas das notas que dão a essa obra uma fisionomia genuinamente tomista; só no pequeno trecho introdutório com que hoje damos início à sua publicação contam-se mais de vinte referências bíblicas — citadas pelo Aquinate, provavelmente, todas de memória.
Depois de explicar a excelência da Oração do Senhor e as palavras invocatórias ‘Pai nosso que estais nos céus’, Tomás expõe cada um dos sete pedidos que a compõem, concluindo com uma brevíssima síntese de todo o Pai-Nosso, semelhante em certos pontos à que se lê em S. Th. II-II, q. 83, a. 9. Resumo de todo o Evangelho e centro a que converge a riqueza dos Salmos, a Oração dominical ocupa o principal lugar entre as demais orações; por ela não só aprendemos o que podemos desejar (cf. De decem præceptis, pr.), mas ainda o modo com que o devemos pedir, e nisto consiste o fundamento e ponto de arranque de toda a vida espiritual. Esmiuçando a prece que, por ter em grau sumo as qualidades que uma boa oração deve possuir, é com justiça a mais perfeita de todas, estas Collationes são de grande proveito para a nossa meditação diária. E se bem que não tenham sido vistas e revistas pelo autor, constituem, em todo o caso, uma joia da literatura cristã medieval que ainda merece ser lida, apreciada e, acima de tudo, meditada nos dias de hoje, em que rezar nunca foi tão necessário. Foram esses os motivos que levaram a equipe Christo Nihil Præponere a dá-las a conhecer a quantos estiverem interessados não só em aprender com o Aquinate, mas também a orar com ele e com a ajuda dele.
O texto-base de que nos servimos para realizar essa tradução é o estabelecido na conhecida edição de Turim (cf. S. Thomæ Aquinatis, ‘In Orationem Dominicam, videlicet ‘Pater noster’ expositio’, in : R. M. Spiazzi (org.), Opuscula Theologica, vol. 2. 2.ª ed., Taurini-Romæ : Marietti, 1954, pp. 219-235), também disponível aqui, em formato eletrônico. No que respeita aos critérios adotados, convém observar que, embora procure manter-se fiel ao fraseado original, a versão portuguesa aqui disponibilizada não tem a pretensão de ser ‘acadêmica’, mas uma pequena tentativa de divulgar a obra de Santo Tomás de Aquino sem trair-lhe o pensamento. Esta tradução, mais do que decalcar ad litteram, procura dizer em português aquilo e só aquilo que o original diz sinteticamente em latim. Por isso, as inelegâncias de estilo e a repetição frequente de certas fórmulas correspondem, na medida do possível, ao sabor e à sobriedade do original, carente de sutilezas escolásticas, palavras técnicas e voos oratórios [1]. As palavras entre divisas (< >) são explicitações ou inserções de nossa parte que visam ora esclarecer o texto, ora torná-lo mais fluido. A tradução das citações bíblicas foi extraída, na maioria dos casos, das versões ‘Ave-Maria’ (195.ª ed., São Paulo : Ave-Maria, 2011) e do Pe. Matos Soares (6.ª ed., Porto : Tip. Sociedade de Papelaria, 1956). Além destas, foram utilizadas também, de quando em quando, as traduções da CNBB e da Bíblia de Jerusalém.
Exposição sobre a Oração do Senhor [2]
Santo Tomás de Aquino
PRÓLOGO [3]
I. A excelência do Pai-Nosso
1 As cinco qualidades da oração — A Oração do Senhor ocupa, entre as demais orações, o principal lugar, já que possui as cinco qualidades de que <toda> oração se deve revestir. Com efeito, a oração deve ser confiante, reta, ordenada, devota e humilde.
a) Deve ser confiante, para que nos ‘aproximemos confiadamente do trono da graça’ (Hb 4, 16), como está escrito na Epístola aos Hebreus, e também firme na fé, como diz São Tiago : ‘Peça com fé, sem nada hesitar’ (Tg 1, 6). A Oração do Senhor é com razão a mais confiável, porque (i) foi instituída pelo nosso advogado, o mais sábio dos pedintes, ‘no qual estão escondidos todos os tesouros de sabedoria’ (Cl 2, 3) e de quem diz São João : ‘Temos um intercessor junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo’ (1Jo 2, 1). Por isso, diz Cipriano : ‘Uma vez que temos a Cristo como advogado junto ao Pai por nossos pecados, ao pedirmos perdão de nossos delitos apresentemo-nos com as palavras do nosso defensor’ [4]. Ela parece ser, além disso, ainda mais confiável (ii) pelo fato de nos ter ensinado a rezar aquele que com o Pai presta ouvidos à nossa oração, de acordo com o Salmo : ‘Quando me invocar, eu o atenderei’ (Sl 90, 15). Por isso, diz Cipriano : ‘Rogar ao Senhor com suas próprias palavras é dirigir-lhe uma oração amiga, familiar e piedosa’ [5]. Daí que nunca se saia desta oração sem fruto. De fato, como diz Agostinho, por ela são perdoadas as faltas veniais [6].
b) A nossa oração deve também ser reta, de maneira que o orante peça a Deus o que lhe convém, pois, segundo Damasceno, ‘a oração é um pedido a Deus dos bens adequados’ [7]. Com efeito, a oração deixa muitas vezes de ser atendida porque se pedem coisas inapropriadas : ‘Pedis e não recebeis, porque pedis mal’ (Tg 4, 3) [8]. De fato, é dificílimo saber o que se deve pedir, já que tampouco é fácil saber o que se deve desejar. Igualmente, é permitido aspirar ao que na oração é lícito pedir. Por isso, o Apóstolo reconhece : ‘Não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém’ (Rm 8, 26). Ora, é a Cristo, nosso Mestre, que toca ensinar o que temos de pedir, e por isso lhe rogaram os discípulos : ‘Senhor, ensina-nos a orar’ (Lc 11, 1). Por conseguinte, o que Ele nos ensina a pedir na oração é o que mais retamente podemos desejar : ‘Quaisquer que sejam as nossas palavras’, diz Agostinho <a esse propósito>, ‘nada diremos que já não esteja contido nessa oração, contanto que rezemos de modo justo e adequado’ [9].
c) Em terceiro lugar, a oração tem de ser ordenada como o desejo do qual é expressão. Pois bem, a ordem devida é que em nossos desejos e orações prefiramos os bens do espírito aos da carne e as coisas celestes às terrenas, conforme o que se lê no Evangelho segundo Mateus : ‘Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo’ (Mt 6, 33). É isso o que o Senhor nos ensinou a observar nessa oração, em que primeiro se pedem os bens celestiais e só depois os terrenos.
d) Deve também ser devota, pois a devoção em abundância torna aceitável a Deus o sacrifício da oração, de acordo com o Salmo : ‘Invocando o vosso nome, levantarei as minhas mãos. Como de banha e de gordura será saciada a minha alma’ (Sl 62, 5s). Ora, acontece muitas vezes de a devoção enfraquecer-se por causa do excesso de palavras. Por esse motivo, o Senhor ensinou a fugir à excessiva prolixidade da oração, ao dizer : ‘Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras’ (Mt 6, 7). E Agostinho escreve a Proba : ‘Que a oração não tenha excesso de palavras, mas de súplicas, se continua fervorosa a atenção’ [10]. Por isso, o Senhor instituiu essa breve oração. Mas a devoção, por sua vez, nasce da caridade, que é amor a Deus e ao próximo, ambos os quais estão presentes nessa oração. Com efeito, para manifestarmos nosso amor a Deus, chamamos-lhe Pai; e para manifestarmos nosso amor ao próximo, oramos por todos em comum dizendo : ‘Pai nosso’ e ‘Perdoai-nos as nossas ofensas’. A isso nos move, pois, o amor aos semelhantes.
e) A oração precisa, enfim, ser humilde, conforme o que diz o Salmo : ‘Ele se voltou para a súplica dos indigentes’ (Sl 101, 18), a parábola do fariseu e do publicano (cf. Lc 18, 9-15) e o que se lê no Livro de Judite : ‘Sempre vos foram aceitas as preces dos mansos e humildes’ (Jt 9, 16). Ora, na Oração do Senhor se guarda a verdadeira humildade, que consiste em nada presumir das próprias forças, mas tudo esperar da virtude divina.
2 Os três efeitos da oração — Deve-se notar, além disso, que a oração produz três bons efeitos.
a) Em primeiro lugar, ela é um remédio eficaz e útil contra os males. A oração livra-nos, pois, (i) dos pecados cometidos, como canta o salmista : ‘E vós perdoastes a pena do meu pecado. Assim também todo fiel recorrerá a vós’ (Sl 31, 5s). Desse modo orou o ladrão pregado à cruz, obtendo o perdão : ‘Hoje estarás comigo no paraíso’ (Lc 23, 42) e o publicano, voltando para casa justificado (cf. Lc 18, 9-14). Livra-nos também (ii) do medo dos pecados futuros, das tribulações e das tristezas : ‘Alguém entre vós está triste? Reze!’ (Tg 5, 13). Livra-nos, enfim, (iii) das perseguições e dos inimigos : ‘Em resposta ao meu afeto, acusaram-me. Eu, porém, orava’ (Sl 108, 4).
b) A oração, em segundo lugar, é um meio eficaz e útil de obter tudo o que se deseja : ‘Tudo o que pedirdes na oração, crede que o tendes recebido’ (Mc 11, 24). Mas se porventura não somos ouvidos, isto se deve a que ou não pedimos com insistência, pois ‘é necessário orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo’ (Lc 18, 1), ou não pedimos o que mais convém à nossa salvação : ‘O bom Senhor’, diz Agostinho, ‘negando-nos muitas vezes o que queremos, dá-nos o que deveríamos querer’ [11]. Assim sucedeu a Paulo, que três vezes rogou a Deus que lhe apartasse um espinho na carne e não foi atendido (cf. 2Cor 12, 7s).
c) Em terceiro lugar, é útil, porque nos torna amigos íntimos de Deus : ‘Que minha oração suba até vós como a fumaça do incenso’ (Sl 140, 2).’
Referências
  1. Cf. J.-P. Torrell, Iniciação a Santo Tomás de Aquino. Trad. port. de Luiz P. Rouanet. 3.ª ed., São Paulo : Loyola, 2011, p. 86.
  2. Ao presente opúsculo se atribuem outros títulos em diferentes edições: Expositio devotissima Orationis DominicæCollationes de Pater nosterExpositio de Pater noster. P. Mandonnet (1858-1936), importante historiador da filosofia medieval, data-o do tempo da Quaresma de 1273 (cf. Bibliographie Thomiste, Le Saulchoir, Kain, 1921, p. XVII, n. 72. A sua autenticidade não é posta em dúvida por nenhum estudioso (cf. P. Mandonnet, Des écrits authentiques de Saint Thomas d’Aquin. 2.ª ed., Freibourg, 1910, p. 107, n. 72; A. Michelitsch, Thomas Schriften, vol. 1, Graz, 1913, p. 186, n. 78; M. Grabmann, Die echten Shriften des hl. Thomas von Aquin, 3.ª ed., Münster i. W. 1949, p. 318). Pertence aos Reportata, isto é, ao conjunto de obras que, não tendo sido escritas de próprio punho por Santo Tomás, foram passadas ao papel seja por ditado, seja pela transcrição (reportatio) de alguma homilia; a desta nos foi legada, provavelmente, por Reginaldo de Piperno (c. 1230 – c. 1290), amigo e secretário do Aquinate. Trata-se de escritos nem sempre revistos e corrigidos pelo autor, mas recebidos, em todo o caso, de sua própria boca.
  3. Cf. Tomás de Aquino, SThII-II, q. 83, a. 9; III Sent.,d. 34, q. 1, a. 6CompendTheolII, cc. 4ssIn Matth., c. 6.
  4. Cipriano de Cartago, De ordom. 3 (PL 4, 521B).
  5. Id., ibid.
  6. Cf. Agostinho de Hipona, Ench. 7821 (PL 40, 270). É doutrina comum que os pecados veniais podem ser perdoados, mesmo sem contrição perfeita, fora do sacramento da Penitência, desde que o fiel se encontre em estado de graça (cf. E. Genicot; I. Salsmans, Institutiones Theologiæ Moralis. 17.ª ed., Bruxelas : Universelle, 1951, p. 153, n. 238). É o que se deduz das seguintes palavras do Concílio de Trento : ‘Os <pecados> veniais, pelos quais não somos excluídos da graça de Deus e nos quais caímos com frequência, posto que com retidão e utilidade, e sem qualquer presunção, se digam na confissão […], todavia podem ser calados sem culpa e expiados por muitos outros meios’ (14.ª sessão, de 25 nov. 1551, c. 5; DH 1680).
  7. João Damasceno, De fide orth. 324 (PG 94, 1090). Por ‘bens adequados’ ou ‘convenientes’ (decentia) se entende o que é necessário à salvação. Isto não significa, porém, que o cristão não possa pedir bens temporais a Deus; pode pedi-los, mas não principalmente (principaliter), como se fossem o fim da oração, mas de modo secundário, subordinado-os ao bem da alma. De fato, os bens deste mundo, como o alimento, o vestuário etc., devem ser pedidos na condição de instrumentos (adminicula), isto é, na medida em que nos auxiliam a chegar à bem-aventurança eterna, a conservar a vida corporal, a dispor-nos com mais facilidade ao exercício das virtudes e a servir melhor a Deus (cf. SThII-II, q. 83, a. 6, co.).
  8. Muitos autores ensinam, baseados no claro testemunho das Escrituras (cf., por exemplo, Mt7, 7s; 21, 22; Jo 14, 13s; 15, 716; 16, 23s; 1Jo 5, 14s), que a oração possui uma eficácia infalível, desde que cumpra quatro condições imprescindíveis : (1) pedir para si mesmo (2) coisas necessárias à salvação, como graças atuais eficazes, (3) de modo piedoso — o que abrange a humildade, a firme confiança, a atenção e a petição em nome de Cristo (cf. Jo 14, 13s; 15, 16; 16, 23s) — e (4) com perseverança. Se observados estes pré-requisitos, a oração ‘obtém infalivelmente o que pede em virtude das promessas de Deus’ (A. Royo Marín, Teología de la Perfección Cristiana. Madrid : BAC, 2012, p. 425, n. 287). Cf. SThII-II, q. 83, a. 7, ad 2a. 15, ad 2a. 16, co.
  9. Agostinho de Hipona, Ep. 130, 1222 (PL 33, 502); para uma explicação detalhada de todo o Pai-Nosso, v. também, do mesmo autor, SermDom. 24-1115-39 (PL 34, 1275-1287). Santo Tomás repete esta mesma tese em SThII-II, q. 83, a. 9, co. : ‘Visto que a oração, com efeito, é como um intérprete do nosso desejo diante de Deus, só podemos pedir retamente o que retamente nos é permitido querer. Pois bem, na Oração dominical não apenas se pedem todas as coisas que retamente podemos desejar, mas ainda na ordem em que elas devem ser desejadas. De modo que esta oração não só nos ensina a pedir, mas também retifica todos os nossos afetos’.
  10. Id., Ep. 130, 1020 (PL 33, 502). De acordo com Santo Tomás, a atenção é absolutamente necessária à oração, sobretudo à vocal, de modo que distrair-se deliberadamente (ex proposito) ao rezar não só é pecado como também impede o fruto da oração, o que não se dá com a distração involuntária (cf. SThII-II, q. 83, a. 13, co. e ad 3). O Angélico distingue ainda, na resposta a esta mesma questão, três tipos de atenção que se podem dar à oração vocal, em graus crescentes de perfeição : a) atenção ad verba, ordenada à correta enunciação das palavras; b) atenção ad sensum, com a qual nos atemos ao sentido delas; e c) atenção ad finem, ‘que atende ao fim da oração, ou seja, a Deus e à coisa que se pede’ (A. Royo Marín, opcit., p. 654, n. 494). No que respeita à duração, Santo Tomás afirma que a oração deve, por um lado, ser a) contínua, na medida em que procede da virtude da caridade — cujo influxo atual ou habitual perpassa todos os atos de quem está na graça de Deus e os transforma, assim, em ‘oração’ incessante (cf. 1Ts 5, 17) — e, por outro, b) transitória e proporcionada ao seu fim, ou seja : convém que a oração dure o necessário para excitar o fervor interior (cf. SThII-II, q. 83, a. 14, co.; A. Royo Marín, opcit., p. 655, n. 495).
  11. Id., Ep. 31, 1 (PL 33, 121).

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quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Até quando nos faltará coragem?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Teólogos e teólogas de nosso país são chamados a serem corajosos e assumir o exemplo de Cristo.
*Artigo de Fabrício Veliq,
protestante, é mestre e doutorando em
teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
doutorando em teologia na Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica,
formado em matemática e graduando em filosofia pela UFMG


‘É comum que ao serem perguntadas a respeito do lugar da teologia na vida pública, as pessoas respondam que esse lugar se refere às igrejas, comunidades e associações religiosas e filantrópicas. Já está, de alguma forma, estereotipado em nossa sociedade o papel e o lugar dos teólogos.

Curiosamente, se se pergunta em um ambiente acadêmico a respeito desse mesmo lugar, a resposta tende a ser diferente e se referirá à questão da reflexão a respeito da sociedade e seu olhar na transformação dela, partindo do pressuposto da fé cristã. Dessa forma, o estudo teológico tem um papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa, tendo na relação entre Deus e a humanidade sua força e esperança de luta. Nesse pano de fundo, o teólogo ou teóloga é aquele que pode trabalhar tanto nas igrejas e comunidades, como também em todas as esferas da vida pública, ou seja, academia, política, economia, e por aí vai.

Não precisa ter um olhar muito atento para se perceber que a visão que predomina no país é a primeira, a de que o lugar da teologia se limita aos ambientes filantrópicos e eclesiais. Assim, a pergunta a respeito da responsabilidade se faz necessário. Quem seriam os responsáveis para que a teologia ocupasse essa visão no meio popular?

A resposta, assim como todas as respostas às questões difíceis, não é tão simples como se queira imaginar. Ao mesmo tempo que se tem o fator histórico em que a ciência desenvolvida no país, desde sua origem, tenha tido um forte aspecto positivista e, assim, a exclusão da teologia dos ambientes acadêmicos como algo de caráter meramente eclesial se fez de forma necessária por parte de legisladores que temiam a ausência de laicidade no Estado, também se tem a responsabilidade da própria teologia que, em sua zona de conforto, optou durante muito tempo por não lutar em prol de seu caráter público em meios universitários do país. Uma vez restrita somente ao seu próprio gueto, a teologia ao mesmo tempo que foi colocada do lado de fora, também se colocou nessa posição e, por causa disso, esteve ausente de grandes decisões em diversas esferas do país.

Hoje, por sua vez, cresce-se a influência de um setor evangélico pentecostal e neo-pentecostal no país. Esse movimento, grandemente liderado pela Igreja Universal do Reino de Deus e seus pastores que, na maioria das vezes, não são teólogos, possui pautas conservadoras que, em muitos aspectos, vão contra o aspecto da laicidade do Estado Brasileiro, o que é um grande risco no cenário de instabilidade política e econômica em que se vive atualmente.

Mas, diante desse novo cenário que se abre, como pode uma teologia séria e comprometida com Deus e com a humanidade ocupar espaços na sociedade e o que se falta para isso?

Uma possível resposta é que temos, muitas vezes, teólogos e teólogas covardes. Falta-nos, em muitos aspectos, coragem e organização para tomarmos posição, assumir um lado de luta, denunciar atrocidades feitas em nome de Deus, ser voz profética contra aqueles que exercem autoridade tanto no país quanto nas igrejas.

Em muitas situações, falta-nos coragem para repensar a própria fé a partir das questões do cotidiano que tanto afligem diversas pessoas em nosso país, tais como a homofobia, a pluralidade religiosa, o aborto, o tráfico de drogas, a pobreza, a intolerância, o capitalismo predatório, a questão indígena, quilombola, ecológica, dentre tantas outras.

Para se repensar a fé em seus diversos contextos é preciso coragem para sair da zona de conforto ao mesmo tempo que se precisa criatividade para falar o que se crê de uma maneira nova. E tudo isso, na força do Espírito de Deus que renova todas as coisas e traz vidas nos lugares em que se impera a morte.

Assim, teólogos e teólogas de nosso país são chamados a serem corajosos e assumir o exemplo de Cristo de denúncia das estruturas de morte em todos os ambientes da vida pública e caminhada com os marginalizados de nossa sociedade, em prol de um mundo mais justo. Somente assim, ela estará apta a figurar na esfera pública como voz demandada e ouvida pela nossa sociedade.

Será que teremos essa coragem?’


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terça-feira, 26 de setembro de 2017

O flagelo da fome

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Bernardino Frutuoso,
Jornalista


‘Uma alimentação condigna é um direito fundamental de toda a pessoa. Como escreveu há dias o Papa Francisco, «todos temos consciência de que não basta a intenção de garantir a todos o pão de cada dia, é necessário reconhecer que todos têm direito a ele». No entanto, com frequência, as organizações internacionais lembram-nos que esse é um direito negado a milhões de seres humanos e que o escândalo da fome perdura no planeta. Em março passado, um relatório da FAO (sigla em inglês para Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) sublinhava que a fome grave ameaça 37 países. A FAO estima que, na atualidade, a fome voltou a aumentar e atinge mais de 800 milhões de pessoas em todo o mundo. Um número maior, dois bilhões, sofre de deficiências nutritivas graves. Cerca de 3,5 milhões de crianças morrem anualmente de fome e doenças relacionadas com a má nutrição. Paradoxalmente, persiste um cenário de fome num mundo onde, segundo as estatísticas, a disponibilidade de alimentos aumenta constantemente. Também cresce a quantidade de alimentos que são desperdiçados que, de acordo com a FAO, atinge 1,3 mil milhões de toneladas cada ano. A comida que falta a uns é esbanjada por outros.

Há dias, o diretor do Programa Alimentar Mundial alertou de novo para o tema da fome e mencionou que o mundo enfrenta a maior crise humanitária em setenta anos. São mais de 20 milhões de pessoas no Iémen, Somália, Sudão do Sul e Nigéria em risco de fome.

«Uma fome é uma situação rara. Quatro países à beira de fome ao mesmo tempo? Nunca se ouviu falar. Enfrentamos a maior crise humana em setenta anos, com 20 milhões de pessoas perto de morrer de fome em quatro países», disse David Beasley em entrevista à agência Lusa.

Em julho passado, o Papa Francisco tinha alertado a comunidade internacional sobre o drama da fome, considerando que não é uma fatalidade, mas consequência humana. Numa mensagem enviada aos participantes da 40.ª Assembleia Geral da FAO, o Santo Padre considera que a fome e a desnutrição «não são apenas fenômenos naturais ou estruturais em determinadas áreas geográficas, mas são o resultado de uma condição mais complexa do subdesenvolvimento causado pela inércia de muitos ou o egoísmo de alguns».

Para Francisco, se os contínuos objetivos propostos permanecem distantes, isso depende da falta de uma cultura da solidariedade e de atividades internacionais que ficam ligadas somente ao pragmatismo das estatísticas. «A partir da consciência de que os bens que Deus Criador nos entregou são para todos, exige-se urgentemente que a solidariedade seja o critério inspirador de qualquer forma de cooperação nas relações internacionais», frisou o papa.

Francisco também lamentou as ajudas cada vez mais reduzidas aos países necessitados. A este respeito, o pontífice anunciou a contribuição da Santa Sé ao programa da FAO para fornecer sementes às famílias rurais que vivem em áreas da África Oriental, onde se somaram os efeitos dos conflitos e das secas. Este gesto simbólico acrescenta-se ao trabalho que a Igreja leva avante segundo a própria vocação de estar ao lado dos pobres e excluídos. É necessário e urgente o esforço e a solidariedade de todos para cumprir o objetivo inadiável que a comunidade internacional se propôs : erradicar o flagelo da fome até 2030.’

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Fonte :

domingo, 24 de setembro de 2017

A tamareira e a beleza da mulher na Bíblia

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Olmes Milani,
Missionário Scalabriniano


‘Amigas e amigos, a oportunidade de adentrar na literatura e folclore de uma região, induz o leitor ou observador a descobertas maravilhosas.  São fontes das quais surgem parábolas, comparações, anedotas e ditos que expressam sabedoria, sentimentos, nobreza e alegria.  Infalivelmente, encontramos elementos do ambiente que rodeiam ou estão ao alcance das pessoas. É assim que árvores, animais, montanhas, pedras, lua, águas fazem parte das narrativas.

Por isso, não nos surpreende que em Portugal, muitíssimas pessoas adotaram como sobrenome, nomes de espécies de árvores comuns em seu território, tais como, laranjeira, pereira, carvalho entre outros.

Basta abrir o Evangelho para percebermos de imediato como Cristo integrava elementos da natureza e cultura de sua época como meios para comunicar a Boa Nova.

Em regiões desérticas ou semiáridas, com vegetação escassa, pela altura, beleza e imponência sobressai a tâmara que, tanto em língua árabe (tamrah) como hebraico (thamar) significa literalmente ‘palmeira’.

Por ser uma árvore belíssima inspirou o autor o livro Cântico dos Cânticos para afirmar que a rara beleza de uma esposa é como aquela da tamareira. (7,8-9).

O Rei Davi teve uma filha bonita a quem chamou Tamar. Ela se distinguiu por defender sua dignidade e fidelidade à lei de seu tempo (2Sm 13:1-20). Pela sua força, resistência e formosura faz lembrar que ‘o justo florescerá como a palmeira’ (Sl 92,13).

Contudo, na História Sagrada, a primeira mulher chamada Tamar, ‘Palmeira’, foi uma estrangeira cananeia que casou com o filho de Judá. Durante a primeira parte de sua vida ela foi uma esposa submissa, obediente e forte nas adversidades, mas a partir do meio de sua história há uma reviravolta total. Agiu com inteligência, personalidade e criatividade. Com determinação conseguiu que seu sogro reconhecesse seus direitos, de acordo com a cultura de seu tempo. Graças a ela, a promessa que do povo eleito surgiria o Salvador, continuou (Gn. 38,1-30), pois não havia outra mulher na família de Judá para gerar filhos. Transformou-se assim numa das mulheres na linhagem genealógica de Cristo (Mt 1,3).

Enganosa é a beleza e vã a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor, essa sim será louvada’ (Provérbios 31:30).’


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quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Olhar na alma

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Curti o programa ‘Olhar na alma’!
*Artigo de Lev Chaim, 
jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil radicado na Holanda 


‘Há tempos que não me emocionava tanto com um programa de um dos canais da televisão holandesa : ‘Olhar na alma’. O apresentador Coen Verbraak é quase invisível, mas efetivamente presente com a voz e suas perguntas intrigantes a um determinado grupo de pessoas, com a mesma profissão, e com bastante experiência em missões no exterior, bem longe de casa. 

Ele faz a entrevista inteira com um personagem, depois com o outro e aí por diante, mas todos separados entre si. Só aparece o rosto do entrevistado em 90% do tempo e, como eu disse, o rosto do apresentador só vem à telinha muito rápido,  quando ele tem que fazer uma pergunta chave, para o desfecho da história.

Na montagem do programa, estas entrevistas inteiras são cortadas e remontadas na cena em que ele faz a mesma pergunta a todos. Desta vez, os entrevistados foram os militares de alta patente das três forças, com histórias que a primeira vista você não contaria em um programa de televisão qualquer.

O que faz desta sua profissão interessante para você?’ Muitos responderam : a camaradagem dos colegas, a confiança que você adquire na vida exercendo esta profissão de general ou comandante de esquadrão de aviões caças. ‘É claro que vocês estão em muitos momentos importantes fora de casa, longe da família. Como se acostumar a isto’ : um dos militares, olhando na câmara, pensativo, disse que não viu nascer o seu primeiro neto, aliás, uma criança deficiente. ‘O que isto fez com você?’, perguntou o apresentador :  Uma dor profunda, inigualável, que faz com que eu admire ainda mais a minha querida esposa.

Um chefe do esquadrão de pilotos disse que uma vez ele ficou doente em casa por alguns meses e tudo deu errado. Brigou com a esposa, pensou em suicidar-se, mas finalmente, com um bom tratamento, voltou a ativa e com tudo. A maneira calma com que ele contou isto, sabendo que tudo isto foi visto pelo país inteiro é o que impressionou ainda mais. É como se eles estivessem fazendo um seminário para o colegas mais jovens, como se os preparassem para enfrentar tudo que viesse pela frente.

Um oficial da marinha, que trabalha num submarino na costa do Mediterrâneo, por exemplo, com poucas palavras passou emoções intensas que o fazem mais próximo da realidade cruel deste mundo de hoje. Contou que uma vez, ele e sua tripulação se depararam com um lixo boiando no mar. O submarino subiu e constataram que eram corpos de homens, mulheres e crianças, todos náufragos, provavelmente na tentativa de atravessar o Mediterrâneo rumo à Europa. Contando que ao ver tão de perto aqueles corpos, ele engoliu em seco várias vezes. Não era mais uma coisa irreal, que se fala nos jornais, nas TVs e nos rádios, mas estava ali, a sua frente, sem qualquer disfarce. Ele deu ordens para que recolhessem os corpos para serem entregues à marinha costeira.

Ao contar tudo isto, você nota emoção embutida em cada palavra, cada gesto, em cada olhar do entrevistado. E tudo dito pausadamente, pensando bem na escolha da palavra certa para descrever todo aquele horror, como se tivéssemos o privilégio de mirar bem fundo, mais bem fundo mesmo, a própria alma combalida daquele militar. É claro que tem uns que nos emocionam mais que os outros, mas no conjunto, uma coisa ficou clara : esses militares, que um dia pensaram ser heróis, sem dúvida, tornaram-se mais humanos. Emocionante. 

Tal qual contou uma senhora, psicóloga da marinha, quando estava no Afeganistão em missão. Através do seu IPad, ela conseguiu ver pedaços da primeira dança de sua netinha no teatrinho da escola. Os sacrifícios de uma profissão tão discutida, as vezes tão mal entendida, pegaram-me de surpresa e deixaram-me emocionado. Para tudo se paga um preço, principalmente para esses militares que vão tão longe defender os ideais democráticos de seus países e organizações internacionais. Curti o programa ‘Olhar na alma’!’


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quarta-feira, 20 de setembro de 2017

São Mateus, Apóstolo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

São Mateus, Apóstolo - História dos Santos e Anjos - Revista Católica Arautos do Evangelho

‘O primeiro aos quais fez anunciar pelos anjos a boa nova da sua vinda, foram alguns humildes pastores de Belém. Quando escolheu seus doze apóstolos, ou doze enviados, para espalharem a boa nova a todos os povos da terra, escolheu-os entre os humildes e os pequenos. Primeiramente foram dois irmãos, Pedro e André, que viviam da pesca, assim como dois outros, Tiago e João.

Mais extraordinário ainda é não ter Jesus escolhido seus apóstolos precisamente entre os santos, nem no interior do templo, mas nas praças públicas, entre a classe operária e mesmo entre os empregados da alfândega. Saía da cidade de Cafarnaum e dirigia-se para o mar da Galiléia, onde costumava pregar à multidão, quando ao passar, avistou um publicano, Levi, filho de Alfeu, também chamado Mateus, sentado à mesa de cobrança de impostos, e disse-lhe : Segue-me. E aquele, tudo abandonando, levantou-se e seguiu-o. E Levi ofereceu a Jesus um grande banquete em sua casa. Estando este à mesa, chegaram muitos publicanos e pecadores que se sentaram à mesa com ele e com os discípulos, que em grande número o tinham acompanhado.

Mas os fariseus e os escribas, vendo que Jesus comia com os publicanos e os pecadores, murmuraram e disseram aos discípulos : Por que motivo come o vosso Mestre com os publicanos e os pecadores e vós com ele? Malgrado a aparente piedade, de que se jactavam, aqueles homens estavam cheios de desprezo pelos outros. Respondeu-lhes Jesus : Os sãos não tem necessidade de médico, mas sim os enfermos. Ide, e aprendei o que vos digo: quero misericórdia e não sacrifício; porque não vim chamar os justos e sim os pecadores.

Quão grande é a bondade de Jesus Salvador! Quem ainda poderá desesperar, seja por causa de seus pecados, seja por causa de suas más inclinações? Aí está um médico capaz, não apenas de curar os doentes, mas de ressuscitar os mortos; um médico caridoso, que se sobrecarregará com as nossas doenças e as nossas iniqüidades; um médico tão bom que se transmuda em remédio para os nossos males.

Mas o publicano Mateus também não merecerá que o amemos e imitemos? Era um homem de negócios e de dinheiro, um burocrata, um financista. Contudo, mal Jesus o chama, levanta-se, tudo abandona e segue-o, testemunha-lhe publicamente a gratidão com um grande banquete. E nós, que talvez nos julguemos muito melhores do que os publicanos, o Senhor chama-nos, o Senhor diz-nos há muito tempo : Vinde e segui-me! E ficamos surdos ao seu apelo. Ah! Roguemos ao bem-aventurado publicano, cuja festa celebramos, que nos seja dado seguir o Senhor, tal como o fez.

De publicano transformado em apóstolo. São Mateus perseverou até o fim. Depois de receber o Espírito Santo com a abundância de suas graças, no dia de Pentecostes, pregou durante vários anos na Judéia às ovelhas perdidas da casa de Israel : em seguida, levou o Evangelho às nações longínquas, Pérsia e à Etiópia, e confirmou com o sangue as verdades que pregava.

Além de um dos doze apóstolos, escolhidos para pregarem o Evangelho por toda a terra, São Mateus também foi um dos homens inspirados para gravá-lo por escrito. Há quatro evangelistas : São Mateus, São Marcos, São Lucas e São João; assim como há quatro grandes profetas : Isaías, Ezequiel, Jeremias e Daniel; e quatro grandes impérios : Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma e quatro querubins acima dos quais se eleva o trono de Deus, no qual está sentado o Filho do homem.

O conjunto dos quatro querubins com o trono de Deus suspenso acima deles, não tem a sua representação na terra no conjunto dos quatro grandes impérios, Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma, a cujas lutos e a cujos destinos vemos outros tantos espíritos celestes presidir; espíritos que serviram de carro do Filho de Deus para que descesse à terra e nela estabelecesse seu império espiritual, e dos quais tirou seus instrumentos de vingança, pois no capítulo X, de Ezequiel, não vemos um dos querubins apanhar os carvões ardentes, que seriam espalhados sobre a criminosa Jerusalém?

Na Igreja Cristã, não viram os Padres os quatro evangelistas? Na face do homem, São Mateus, que inicia seu evangelho pela genealogia de Cristo enquanto homem; na face do leão, São Marcos, que inicia o seu pela voz de deus clamando no deserto; na face do touro, vítima principal dos antigos sacrifícios, São Lucas, que começa pelo sacerdote Zacarias no ato de desempenhar as funções do sacerdócio num templo; na face da águia, São João que. De início, eleva-se como uma águia acima das nuvens até o seio de Deus. São quatro, mas cada um deles é encontrado nos três outros, e os quatro são encontrados em cada um em particular; há quatro evangelhos, e só há um Evangelho. É o mesmo espírito que os inspira, que os alenta, que os inspira, que os alenta, que os dirige. São cheios de olhos; em tudo, até num ponto e vírgula, cintila a verdade. Contém como que um fogo divino de onde saem as fagulhas, as correntes elétricas da graça, que iluminam os espíritos, toam os corações e renovam a face da terra.

No Evangelho de São Mateus há um belo consumo de todo o Evangelho : é o Sermão da Montanha de todo o Evangelho, que reproduz inteiramente, enquanto os outros evangelistas só citam alguns trechos. É o sermão que se inicia com as oito bem-aventuranças.

O único objetivo do homem é a felicidade. Jesus Cristo veio unicamente proporcionar-nos os meios de realizá-lo. Colocar a felicidade onde deve estar é a fonte de todo bem; e a fonte de todo mal é colocá-la onde não deve estar. Digamos, pois : Quero ser feliz. Vejamos, porém, de que maneira; vejamos em que consiste a felicidade; vejamos quais são os meios para alcançá-la.

A felicidade está em cada uma das oito bem-aventuranças; pois, em todas, sob várias designações, é sempre da felicidade eterna que se trata. Na primeira bem-aventurança, como um reino; na segunda, como a terra prometida; na terceira, como a verdadeira e perfeita consolação; na quarta, como a satisfação de todos os nossos desejos; na quinta, como a última misericórdia que suprime todos os males e concede todos os bens; na sexta, sob seu legítimo nome, que é a visão de deus; na sétima, como a perfeição da nossa divina adoração; na oitava, mais uma vez como o reino dos céus. Eis, pois a felicidade em todas; mas há vários meios de alcançá-la e casa bem-aventurança assinala um; juntos, completarão a felicidade do homem.

Se o Sermão da Montanha é o resumo de toda a doutrina cristã, as oito bem-aventuranças são o resumo de todo o Sermão da Montanha.

Se Jesus Cristo ensina que a nossa justiça deve sobrepujar a dos escribas e fariseus, o ensinamento está contido na seguinte sentença : Bem-aventurados os que tem fome e sede de justiça. Pois se a desejarem como único alimento, se dela estiverem verdadeiramente famintos, com que abundância a receberão, pois que de todos os lados se apresentará para saciar-nos? Então também seguiremos os seus mínimos preceitos, como homens famintos que nada deixam, nem mesmo, por assim dizer, uma migalha de pão.

Se vos recomendam não maltratardes com palavras o vosso próximo é por efeito da brandura, do espírito pacífico ao qual foi prometido o reino e qualidade de filho de Deus. Não olhareis uma mulher com más intenções : Bem-aventurados os puros de coração; e o vosso coração só será inteiramente puro, depois que o tiverdes purificado de todos os desejos sensuais. São mais felizes os que passam a vida em lutas e numa tristeza salutar do que no meio de prazeres que embriagam. Não jureis; digais : É verdade, não é verdade. É ainda um efeito da brandura : quem é mando e humilde não se apega excessivamente aos sentidos, o que faz o homem afirmar com muita facilidade; diz simplesmente o que pensa, dentro do espírito de sinceridade e de mansidão. Perdoaremos facilmente todas as ofensas se estivermos possuídos por esse espírito de misericórdia, que atrai para nós numa misericórdia bem mais ampla. Mansos e pacíficos, não resistiremos à violência, deixar-nos-emos mesmo levar além do que prometemos. Amamos nossos amigos e inimigos, não apenas porque somos mansos, misericordiosos, pacíficos, mas também porque somos famintos de justiça e queremos vê-la reinar dentro de nós mesmos, melhor do quo reina no coração dos fariseus e dos gentios. Essa fome de justiça também nos leva a desejá-la por necessidade e não por ostentação.

Amamos o jejum quando encontramos nosso principal alimento na verdade e na justiça. Por meio de jejum, nosso coração se purifica e nos livramos dos desejos dos sentidos, Temos o coração puro quando reservamos para os olhos de Deus o bem que praticamos; quando nos contentamos em ser vistos apenas por ele; e quando não nos servimos da virtude como de uma máscara para iludir o mundo e atrair os olhares e o amor das criaturas. Quando nosso coração é puro, temos o olhar luminoso e a intenção reta. Evitamos a avareza e a busca dos bens, quando somos verdadeiramente pobres de espírito, não julgamos, quando somos mansos e pacíficos; porque a mansidão expulsa o orgulho. A pureza de coração faz com que nos tornemos dignos da Eucaristia, e que nunca recebamos sem unção o pão celestial.

Quando temos fome e sede de justiça, rezamos, imploramos, suplicamos: pedimos a Deus os verdadeiros bens e confiamos em que nos atenda, quando só aspiramos ao seu reino e à mansão dos vivos. De boa vontade entramos pela porta estreita quando nos consideramos felizes na pobreza, no pranto, nas tribulações que sofremos pela justiça. Quando temos fome de justiça, não nos contentamos de dizer a boca : Senhor, Senhor! Mas nos alimentamos intimamente com a sua verdade. Então edificamos sobre o rochedo e o achamos suficientemente firme para servir de apoio à nossa construção.

As bem-aventuranças constituem, pois o resumo do sermão inteiro, mas um resumo aprazível, porque a recompensa está ligada ao preceito; o reino dos céus, sob vários nomes admiráveis, à justiça; a felicidade, à prática.

No ano de 1080, Santo Alfano, arcebispo de Salerna, lá descobriu as relíquias de São Mateus, apóstolo e evangelista. Apressou-se em comunicar o achado ao Papa Gregório VII, que o felicitou, e com ele a toda a Igreja Católica, numa carta datada do dia 18 de Setembro, na qual recomenda ao bispo as preciosas relíquias sejam dignamente veneradas.’


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