quinta-feira, 29 de março de 2018

E Jesus dormia...

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo do Padre António Rego,
jornalista


 ‘Quando menos se espera, levanta-se uma tempestade. Num lago rodeado de montanhas, aparentemente protegido. Com pescadores experimentados, batidos por todos os ventos e habituados às águas agitadas. Da arte de marear todos sabiam mais que Jesus. Todos, porém, para Ele se voltam pedindo socorro. E Ele parecia nem ouvir os primeiros gritos de aflição, pois simplesmente dormia. Como não sentiu o bramir das ondas ou os roncos do vento ou a braveza daquele pequeno oceano. Mas os discípulos, com o pânico na alma, pediram socorro. Possivelmente os gritos eram mais medo que perigo real. O medo é um terrível inimigo para os que navegam em qualquer embarcação da vida. Com um ligeiro sinal, Jesus acalmou a tempestade. E chegaram tranquilamente à margem aqueles que quase se consideravam náufragos.

É a barca da Igreja. Ventos e tempestades, Pedro e os outros, sopros do Espírito e violência de vagas alterosas para uma nau que sempre se reconheceu como frágil. Sempre assim foi na sua história. Nunca as águas foram tranquilas nem os ventos favoráveis. Ou melhor, o tempo da tranquilidade foi o mais perigoso, deixando as mãos fora do leme, o olhar distraído do farol, os pescadores esquecidos da missão, os mestres de bordo entretidos com fardas e galões. Estonteados com o poder, aliaram-se a ricos e criaram silêncios cúmplices. Até que uma onda, um baixio, uma escuridão repentina, um mar de levante pareciam apoderar-se do barco e provocar-lhe um tombo ou um rombo não distante de um possível naufrágio. Como sempre, todos se voltam para o Mestre pedindo a acalmia do vento e das águas quantas vezes adversas por desleixo dos timoneiros.

Assim foram rolando as ondas do tempo e as vagas dos séculos, as espumas dos modos e modas, as fraquezas dos lemes que muitas vezes perderam o sentido do porto. E o Mestre sempre lá, acompanhando a viagem, vigiando o mar numa espécie de sonolência distraída e desinteressada desse percurso breve de séculos e milênios, insignificantes, face aos oceanos da eternidade.

Desde que partiu do cais de embarque, a Igreja, mesmo una e santa acumulou traições, pecados, corrupção de poderes e costumes, rasgos cruéis na túnica inconsútil, concubinatos sacrílegos do sagrado com o profano, volúpias de grandeza e ouro, estreiteza orgulhosa de olhares intolerantes sobre pecadores e dissidentes. Tudo isso ao lado do coro imaculado e vibrante dos Cento e Quarenta e Quatro Mil que nunca deixaram de entoar ao Cordeiro o hino sempre novo da humanidade remida e do Ressuscitado que recebe os frutos da semente do bom semeador. E que nos pergunta nas viagens das nossas pequenas tormentas : porque temeis, homens de pouca fé?


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segunda-feira, 26 de março de 2018

Monges do Mosteiro de São Bento lançam livro de culinária





Será lançado no domingo de Páscoa, 1º de abril o livro de culinária do Mosteiro de São Bento de São Paulo.

A obra é o resultado da pesquisa do monge bibliotecário e arquivista monástico, Dom João Baptista Barbosa, OSB e da oblata beneditina Sandra Marina Witkowski.

Eles conseguiram reunir as diversas receitas do mosteiro – algumas bastante antigas e que não eram mais utilizadas – e oferecem estas delícias para nós no livro Cozinhe com os monges: as tradicionais receitas de entradas, pratos e sobremesas do Mosteiro de São Bento, da Editora Planeta.

São mais de 100 receitas diversas, desde pratos quentes, doces e sobremesas do mosteiro, dos pratos mais simples aos mais sofisticadas.

Todos conhecem a famosa padaria do mosteiro e suas iguarias. Foram escolhidas da padaria dos monges algumas receitas para o livro, como é o caso do pão de mandioquinha e do pão de mel. Da mesma forma o leitor encontrará algumas receitas do badalado brunch do mosteiro, um dos mais importantes de São Paulo, evento que ocorre sempre no último domingo no mês em 12 anos reuniu mais de 20.000 pessoas. Dom João Baptista não esqueceu nem as receitas das comidas oferecidas ao Papa Bento XVI quando ficou hospedado no mosteiro.

Além de trazer as receitas do mosteiro o livro conta com um trabalho de história da comida nos mosteiros. Conta sobre a influência da gastronomia e dos costumes monásticos na sociedade, além de contar a história do mosteiro de São Bento e sua relação com a cidade de São Paulo. Traz curiosidades como a produção das famosas cervejas monásticas e da preocupação com a gula.

O lançamento do livro Cozinhe com os monges: as tradicionais receitas de entradas, pratos e sobremesas do Mosteiro de São Bento, de Dom João Baptista Barbosa e Sandra Marina Witkowski, ocorrerá no Mosteiro de São Bento de São Paulo, no dia 1º de abril, após a missa das 10h.

sexta-feira, 23 de março de 2018

O remédio da compaixão


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  ÃƒÂ‰ preciso um remédio que tenha força de ação no coração humano.
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


 ‘Causam perplexidade a crescente violência e a força destruidora das indiferenças. As perseguições e o gosto mórbido de se destruir reputações ou tratar, com espetacularização, a condição humana são graves ameaças. E diante deste turbulento cenário, ainda surgem figuras que se apresentam como a ‘força da moralização’, mas agem com truculência e se autopromovem a partir da disseminação de notícias falsas, criando confusões e semeando desarranjos. Há, assim, uma retroalimentação das hostilidades, disputas, revides e, de modo preocupante, do espírito doentio daqueles que querem ver ‘o circo pegar fogo’.

Constata-se que o coração das pessoas, projetado para ser da paz, se transforma em lugar que abriga sentimentos de vingança, de apreço ao banditismo. Distancia-se, assim, do sentido humanístico indispensável para alimentar a fraternidade e a solidariedade. O processo crescente de desumanização conduz a sociedade ao colapso. Os cenários são de guerra, o que é comprovado pelas estatísticas sobre homicídios provocados pela falta de compromisso com a sacralidade da vida do outro, que é irmão.

Na contramão da indispensável e urgente sensibilização humana, o que se verifica é um processo de petrificação dos corações, uma patologia. Afinal, quem cultiva o hábito de praticar maldades é doente. As práticas que, apesar de sedutoras, levam pessoas e instituições ao fracasso, são também indicações do grave sintoma da devastação das referências humanísticas. Há uma perda de limites : as consequências dos atos inadequados e imorais sequer são consideradas. Isso decorre da falta de compromisso com a honestidade. A probidade, que deveria ser norteadora de condutas, não tem seu valor reconhecido.

Uma sociedade vivida neste horizonte confuso não tem força para recuperar-se de crises. Carece de sabedoria para reencontrar caminhos e respostas. E as pessoas não conseguem perceber o sentido e o alcance da vida como dom. Pelo contrário, as condutas ficam emolduradas pelos estreitamentos humanísticos que levam a cidadania a ser palco de teatralizações.  Consequentemente, a vida cotidiana distancia-se da felicidade, possível quando todos se reconhecem como pertencentes a uma grande família – todos se percebendo como irmãos uns dos outros.

É preciso um remédio que tenha força de ação no coração humano. É lá que reside o problema. Chegue, pois, aos corações, o remédio da compaixão, capaz de fazê-lo sede da experiência do amor.  Os processos que tendem a brutalizar o coração humano precisam ser debelados. Isso inclui investimentos em segurança pública, legislações, infraestrutura e, principalmente, promover, no ambiente familiar, religioso, entre tantos outros, o remédio da compaixão. A compaixão permite o desenvolvimento de competências, de responsabilidades, a recuperação do sentido de irmandade, a alegria do pertencimento a um povo, o gosto de zelar por seu patrimônio e o comprometimento com aqueles que precisam de ajuda. A patologia do embrutecimento, por sua vez, leva à perda do sentido mais profundo da vida, causando sequelas e trazendo prejuízos preocupantes - mortes, suicídios, violências de todo tipo, indiferenças destruidoras. Por isso mesmo, precisa ser tratada com o remédio da compaixão.

A compaixão não é fraqueza, menos ainda conivência com os erros que requerem penas e correções. A aprendizagem e a prática da compaixão, legado próprio da espiritualidade cristã, é o remédio que trata o coração humano, fonte inesgotável para se lavar e se purificar. É preciso reconhecer-se como necessitado desse remédio. Vivenciar a Semana Santa, seguindo os passos de Jesus Cristo - a compaixão - é tomar esse remédio para curar-se de muitos males, caminho para se tornar agente construtor de uma vida nova, de um tempo novo e um exercício que permite educar o coração para reconhecer a importância do outro, principalmente de quem é pobre e indefeso.

Limpar o coração de mágoas que geram vinganças e ressentimentos. Cultivar o gosto pelo bem e pela verdade. Compreender a vida como dom. Abrir um ciclo novo para a própria vida, na vivência e celebração da Semana Maior, a Semana Santa. Eis o convite : o remédio da compaixão!


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quinta-feira, 22 de março de 2018

Os sacramentos na vida da Igreja


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 NAJŚWIĘTSZY SAKRAMENT
*Artigo do Padre Bruno Roberto Rossi
Paróquia São Francisco de Assis


‘Inicio uma série de artigos sobre os Sacramentos. Têm fim catequético : ajudar o (a) leitor(a) a melhor conhecê-los para, mais dignamente, recebê-los.

É preciso, aqui, relembrar (ou aprender) importantes verdades sobre a qual nem sempre meditamos. Deus se revelou a nós por meio de pessoas escolhidas por Ele ao longo da história e, na plenitude dos tempos, pelo Seu próprio Filho (cf. Gl 4,4). É a história da salvação.

Ora, esse convite generoso do Senhor para que participemos do Seu grande plano de amor por nós vem acompanhado das verdades reveladas ou do patrimônio de fé no qual devemos crer. Tal patrimônio está contido na Escritura e na Tradição Divino-Apostólica (vem de Cristo pelos Apóstolos) interpretadas pelo Magistério da Igreja.

No entanto, não basta saber o que Deus quer de nós. É preciso responder, generosamente, a esse grande apelo (nunca exigência forçada) de amor. Nessa resposta, apesar da nossa fraqueza, podemos contar com dois valiosos auxílios da graça divina : os sacramentos (que vou tratar nesta série) e a oração (a ser abordada em um momento oportuno). Aqui já vêm as perguntas básicas : Que é graça? Que é sacramento?

A graça é o dom gratuito que Deus nos dá para nos tornar participantes da sua vida trinitária e capaz de agir por amor d’Ele. É chamada graça habitual ou santificante ou deificante, pois nos santifica e diviniza. É sobrenatural, porque depende inteiramente da iniciativa gratuita de Deus e ultrapassa as capacidades da inteligência e das forças do homem. Escapa, portanto, à nossa experiência’ (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n. 423).

Parece oportuno reforçar que a graça é presente (não pode ser exigida) de Deus oferecido (não imposto) a cada um de nós para nos tornar santos e, por consequência, participantes da sua vida divina como filhos adotivos, em Cristo, na Igreja. A participação começa já, neste mundo, pelo Batismo, e se prolonga na eternidade. É sobrenatural (está além da natureza criada), por isso foge à nossa observação comum. Só pode ser conhecida pela fé.

Os sacramentos são sinais sensíveis e eficazes da graça, instituídos por Cristo e confiados à Igreja, mediante os quais nos é concedida a vida divina’ (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n. 224). Vejamos cada ponto desta importante definição.

Sinais sensíveis : somos psicossomáticos (compostos de corpo material e alma espiritual), por isso o próprio Deus, livremente, escolheu nos dar graças invisíveis (espirituais) por meios visíveis (materiais). Daí se falar que o sacramento, via de regra, tem matéria e forma : no Batismo, por exemplo, a água derramada é a matéria, porém só possui significado sacramental, se for acompanhada das palavras ‘Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo’, que são a forma. Matéria e forma são, portanto, sinais sensíveis (ou visíveis) da graça invisível.

Instituídos por Cristo : é de fé que Cristo, em sua vida terrena, instituiu todos os sacramentos da Nova Aliança. Isso é muito lógico, pois nenhum poder humano tem a força de unir o natural (água e palavras, no Batismo) ao sobrenatural (a graça divina).

Vida divina : é a íntima união com Deus que habita em nós. Os sacramentos dão – cada um a seu modo – a quem os recebe dignamente, primeiro, a graça santificante e, em segundo, a graça sacramental própria de cada qual deles. A Eucaristia é o maior dos sacramentos, pois contém o próprio Autor de toda graça.’

– Ver : Catecismo da Igreja Católica. São Paulo : Loyola, 1999, n. 1996-2005 (a graça) e 1114-1134 e 1210-1211 (os sacramentos). Online : www.vatican.va.


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segunda-feira, 19 de março de 2018

Sínodo adentra a era digital, mas os bispos estão pensando grande o suficiente?


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Big data pode se um aliado útil, mas, novamente, a Igreja está alguns passos atrasado.
*Artigo de Crux/ IHU
Tradução: Isaque Gomes Correa


‘Não importa o que se diga, o Sínodo dos Bispos sobre os jovens e o discernimento convocado pelo Papa Francisco e marcado para outubro é um projeto ambicioso.

O evento não almeja apenas mostrar que a Igreja está aberta a escutar todos os jovens do mundo, mas para fazer isso ela também está empregando novos instrumentos tecnológicos.

Enquanto uns saúdam esse empenho inovador, outros levantam dúvidas sobre como estas novas tecnologias serão usadas, qual será o alcance global do Sínodo e quais reais efeitos ele trará, se é que trará algum.

Ou o Sínodo é o lançamento de algo novo, ou será a enésima oportunidade desperdiçada pela Igreja para fingir que está escutando alguém’, disse o padre italiano Paolo Mulps, de 31 anos, que participou do Festival Internacional de Criatividade na Gestão Pastoral, realizado em Roma nos dias 9 e 10 de março e que irá apresentar ao Sínodo os seus resultados.

Outros se preocupam com que, por mais ambiciosas que possa ser, as possibilidades a serem consideradas ainda não são suficientemente variadas.

A visão dos bispos sobre o que estão tentando fazer com a tecnologia é muito pequena’, disse o especialista em big data e em tecnologia Joshua Tijerina em entrevista por telefone ao Crux.

Os bispos que estarão participando do Sínodo, a acontecer no Salão Sinodal do Vaticano, terão a oportunidade de recorrer a uma enorme quantidade de documentação e insumos, elencados durante os meses antecedentes ao evento.

Entre outros lugares, as vozes dos jovens serão ouvidas durante um encontro pré-sinodal em Roma entre os dias 19 e 24 de março envolvendo mais de 300 representantes jovens enviados pelas conferências episcopais de todo o mundo. Mas esse é só o começo, já que os jovens estarão contribuindo de muitas outras maneiras, por exemplo : via conferências, festivais e, talvez, até mesmo via hackatons vaticanos.

De acordo com Tanya George, missionária consagrada indiana que trabalha como a diretora para a região asiática do Parlamento Jovem Mundial, organização com sede em Roma, o verdadeiro desafio deste Sínodo dos Bispos será representar a diversidade da juventude ao redor do globo.

A realidade é muito complexa. Aqui na Europa, os jovens pensam de um modo diferente e não participam da vida da Igreja, enquanto na Ásia eles são bastante ativos e há muita energia! Como conciliar isso?’, disse George ao Crux.

A jovem missionária disse que está ‘um pouco preocupada’ com o eurocentrismo que, às vezes, permeia os sínodos, porém sente-se otimista, pois os jovens do mundo inteiro terão a oportunidade de participar.

‘Acho que isso é só um começo. Um novo começo’, disse.


A Igreja se dirige para a era digital

Historicamente no Vaticano há um atraso não somente em termos de adotar novas tecnologias, mas também em adaptar-se à mudança. Por exemplo, ficou famoso o caso do Papa Gregório XVI que, em meados do século XIX, proibiu trens e a iluminação a gás nos Estados papais, preocupado com que eles promoveriam a difusão de ideias liberais e outras noções modernas.

É um movimento clássico da Igreja não chegar por primeiro’, disse em entrevista ao Crux o cardeal italiano Lorenzo Baldisseri, de 77 anos, nomeado pelo papa em 2013 para coordenar os encontros sinodais ao redor do mundo.

No entanto, sob a liderança do Papa Francisco, um sucesso junto à imprensa, o Sínodo está entrando ousadamente na era digital ao estrear novas estratégias tecnológicas.

Com o tema ‘Os Jovens, a Fé e o Discernimento Vocacional’, o Sínodo usará o Facebook como uma plataforma para se engajar com os mais novos. Foram criados seis grupos privados nesta rede social (em inglês, espanhol, alemão, português, italiano e francês), abertos a pessoas com idades entre 16 e 29 anos e que estão sendo mediados por voluntários de várias dioceses.

Esses grupos servem como locais de diálogo sobre diferentes tópicos, marcados por hashtags correspondentes, e onde os jovens podem debater livremente. Os organizadores esperam que mais de três mil jovens se juntem a cada um destes grupos já antes do Sínodo começar.

Entretanto, ironicamente para a maioria das pessoas, hoje, o Facebook é uma ferramenta ultrapassada. Embora muitos tenham uma conta no Facebook, a maioria prefere a plataforma social baseada em fotografias chamada Instagram. Segundo o Pe. Ariel Beramendi, jovem padre boliviano que trabalha para o departamento criado com a finalidade de auxiliar a secretaria sinodal a administrar as comunicações e redes sociais, ainda há vantagens em usar o Facebook.

É uma rede social segura e podemos manualmente descobrir se [uma conta] é falsa ou não, e ela pode especialmente ser moderada’, disse Beramendi em entrevista ao Crux.

Os moderadores dos grupos terão de classificar manualmente as informações que surgirem nas conversas no Facebook e compilá-las num documento unificado a ser apresentado aos bispos durante o Sínodo.

Este texto estará acompanhado por um outro conjunto de dados importante extraído de mais de 150 mil questionários relativos à moralidade, à fé e à vida respondidos pelos jovens do mundo inteiro. Estas sondagens serão analisadas por meio de um algoritmo do Instituto Toniolo da Universidade Católica de Milão.

Pela primeira vez na história, o Sínodo não apenas está cruzando a ‘cortina de aço’ das mídias sociais, mas também está aplicando a análise de big data para determinar temas comuns surgidos a partir dos questionários.

Na linguagem tecnológica, ‘big data’ refere-se a um grande conjunto de dados que demandariam tempo demais para um humano analisar por completo. Esses dados podem ser examinados por computadores e relevar padrões, correlações e conexões. Algumas das máquinas melhores equipadas para realizar esse trabalho são os sistemas de inteligência artificial e os sistemas de aprendizagem profunda.

Embora não haja dúvida de que o uso pelo Sínodo das mídias sociais representa ‘algo novo’, como disse Baldisserri, ainda há questionamentos sobre um potencial inexplorado.

Tijerina, especialista em big data, é o CEO da agência digital Him&Her e um dos fundadores e CEO do Movimento Halcyon, organização sem fins lucrativos que busca criar conteúdo baseado na moral e na ética para as mídias.
Enquanto o Facebook oferece enormes possibilidades, segundo o especialista, ele é também ‘problemático’, pois o seu algoritmo presenteia os usuários somente com um conteúdo que eles já gostam, tornando bem difícil encontrar opiniões que não estejam em conformidade com a própria visão de mundo.

Esse fenômeno é chamado de ‘filtro bolha’, onde, dependendo das preferências e reações do usuário, um conteúdo é eliminado ou introduzido.

Uma outra questão é que os dados nos grupos do Facebook são peneirados e reunidos por indivíduos, que inevitavelmente irão aplicar os seus próprios preconceitos, ao invés de usar máquinas de alta performance.

Com um tal modelo, ‘vai ser difícil ter uma ideia do que não foi peneirado’, disse Tijerina. ‘Acho que o importante é ser capaz de usar inteligência artificial e os big datapara analisar uma tonelada desse material todo, e descobrir o que as pessoas estão de fato falando’, acrescentou.

Nas mídias sociais, na internet, na rede ou em qualquer outro componente digital, onde você se conecta com milhões e milhões de pessoas, a questão não é ‘Como extraio informações dessas pessoas?’, mas sim ‘Como transformo a visão de mundo dessas pessoas?’ ‘Como alcanço essas pessoas com uma mensagem importante?’ ‘Como registro um retorno sobre investimento para realmente mostrar conversão?’’, indagou Tijerina.

Big data pode se um aliado útil, disse o entrevistado, mas, novamente, a Igreja está alguns passos atrás aqui.

Big data não tem a ver com encontrar respostas, mas com criar mudanças’, explicou o especialista em mídias.

O questionário que os jovens compilaram em todo o mundo é um exemplo de ‘busca por respostas’, e é apenas uma pequena parte do quadro geral comparado com o potencial de big data. Por exemplo, Tijerina tem trabalhado num projeto centrado nas vocações, que, através de sondagens e testes de personalidade sobre o clero, pode criar um perfil usado para encontrar jovens nas mídias sociais que se interessariam no sacerdócio. A partir desse ponto, disse ele, as dioceses e arquidioceses podem criar programas destinados a atrair essas pessoas para a Igreja.

A realidade é que, no momento em que a Igreja põe os pés dentro da inteligência artificial, eu fico temeroso com que ela esteja perdendo uma grande oportunidade, caso apenas fique fazendo perguntas’, disse Tijerina.

De acordo com Beramendi, se a Igreja se aprofundar em big data, esta terá de ser ‘uma decisão no nível político’, mas ‘dar um passo no mundo de big data me parece um passo possível’.’


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sexta-feira, 16 de março de 2018

Todos baterão no peito


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Sem a necessária revisão interior, permanecem os passivos e atrasos.
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘Bater no peito é um gesto simbólico, forte. É a demonstração de uma consciência iluminada para a necessidade inadiável de conversão e mudança no contexto atual, com suas lacunas e crises de todos os tipos. Sabe-se que não se avança sem inovações na tecnologia, nos funcionamentos das instituições, na adoção de novas estratégias capazes de alcançar soluções para os desafios contemporâneos. Tudo isso é importante. Mas, acima de tudo, é preciso promover transformações no jeito de ser de cada cidadão, para que famílias, comunidades, instituições, toda a sociedade, sejam constituídas por pessoas qualificadas.  Assim, fica claro que a conversão e a mudança podem ser os pilares insubstituíveis para que as consciências tornem-se a força capaz de dar novo rumo à humanidade. Eis o maior desafio existencial e ético-moral.  

Sem a necessária revisão interior, permanecem os passivos e atrasos. São perdidos valores culturais e religiosos. Habitua-se a conviver com a incompetência humanístico-existencial nos mais diversos ambientes. Os indivíduos se tornam espectros, sem força para desencadear necessárias transformações. Contentam-se a realizar um ‘voo cego’, sem rumos, desprovido de clarividência.  Quando não se revisa a própria consciência, a tendência é agir com certa permissividade na defesa de interesses espúrios, revelando mesquinhez.  O resultado é uma sociedade moralmente desarticulada, com segmentos e instituições que servem como ancoradouro dos medíocres. O ser humano perde a capacidade e a sensibilidade para reconhecer o inestimável valor do semelhante - a expressão do que é nobre e grandioso na promoção do bem.

As muitas dificuldades enfrentadas atualmente podem ser, em grande parte, resultado do que é produzido nas mentes daqueles que não adotam o gesto ritual, com força de tocar a consciência, de bater no próprio peito. Esse gesto simbólico significa reconhecer, humildemente, as próprias limitações. É o primeiro passo para se viver processos de requalificação. Hoje, bate-se no peito como sinal de várias outras coisas : para se gabar do pouco que se fez, para a autopromoção, para justificar o que é da própria conveniência, para querer apresentar-se como melhor do que o outro, para tentar conquistar admiração, enaltecendo o que julga possuir em termos de qualidades. Perde-se, assim, a oportunidade de se exercitar na indispensável tarefa de reconhecer os próprios limites. Com isso, corremos o risco de acentuar formas perigosas de individualismo.

Progressivamente, as pessoas tornam-se menos habilitadas para o necessário embate de ideias e perspectivas, dinâmica fundamental para a revisão das próprias convicções e, consequentemente, para o amadurecimento. Sem abertura para mudança, indivíduos se agarram a critérios que produzem juízos equivocados. Na contramão de processos de conversão, vê-se o aumento de posturas enrijecidas, pela manutenção de reações e considerações cristalizadas, levando a humanidade a conviver com tantas situações cruéis : preconceitos, ódios, indiferenças.  São alimentadas disputas e tornam-se cada vez mais distantes as possibilidades de reconciliação. Essas situações revelam mediocridades humanísticas e espirituais.

E o tempo precioso da Quaresma, delicadeza de Deus para com o seu Povo, é a oportunidade para resgatar o nobre sentido de bater no peito como experiência existencial-penitencial, investimento para corrigir a própria conduta, compreendendo-se como instrumento para promover convivências saudáveis. Ao bater no próprio peito, reconhecendo limitações, com abertura para evoluir, cada pessoa torna-se agente no processo de qualificação do tecido social, humanístico, religioso e cultural no mundo contemporâneo. Pode oferecer, assim, contribuição para edificar uma civilização fraterna e solidária, capaz de superar os variados tipos de violência.

O gesto de bater no peito, com humildade e altruísmo, exige vencer qualquer postura narcísica. Ao invés disso, o olhar deve dirigir-se para a pessoa capaz de transformar o coração de todos : Jesus Cristo, contemplando o seu caminho redentor de paixão, morte e ressurreição.  Bater no peito, com a abertura para reconhecer as próprias limitações, cultivando a disponibilidade para evoluir, é exercício que ilumina consciências. Caminho indispensável para o surgimento de líderes capazes de cumprir a missão que assumiram, cidadãos que prezam e têm gosto pela solidariedade fraterna, gente que reconhece e valoriza os bens históricos, culturais e ecológicos.

Bater no peito, sem medo e até por gosto terapêutico, examinar a própria consciência, reconhecer erros e mediocridades, um esforço da razão e, acima de tudo, com abertura para a graça de Deus, com o olhar fixo n’Ele, o Cristo. Aí está o exercício transformador que qualifica a interioridade humana para alcançar novos propósitos, a alegria de sair da própria prisão existencial para fazer-se instrumento do amor e da verdade, edificando um tempo novo, o tempo de Deus!’


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quarta-feira, 14 de março de 2018

Tolerância no discurso e proselitismo na prática : consequências de uma teologia do medo


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Um pequeno passo para se sair de uma teologia do medo é se abrir para o diálogo com os pensamentos que são divergentes
*Artigo de Fabrício Veliq,
protestante, é mestre e doutorando em
teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
doutorando em teologia na Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica,
formado em matemática e graduando em filosofia pela UFMG


‘A teologia do medo, da qual falamos na semana passada, tem diversas consequências para aqueles e aquelas que a ela se submetem. Uma delas é o medo do diálogo, ou seja, o de ouvir o que pode ser diferente daquilo que se está acostumado. Uma vez que a teologia do medo sempre vem com um corpo de doutrinas incontestáveis e que devem ser obedecidas de qualquer maneira, tudo que soa diferente deve, então, ser rechaçado e deixado de lado, no intuito de manter a tão sonhada santidade.

Um desses diálogos tabus acontece com a questão das outras religiões. Uma teologia que se baseia no medo, na maioria das vezes, é uma teologia que foge da interpelação de outras matrizes religiosas que não se coadunam com o pensamento cristão. Até mesmo o ecumenismo é visto com desconfiança, por acreditar que ele pode desvirtuar o/a fiel da sã doutrina. Por causa disso, não dificilmente, ainda se vê rixas entre católicos e protestantes mesmo depois dos diversos documentos, dos dois lados, incluindo o Vaticano II, pregarem a ecumenicidade nessas relações.

Se até no diálogo ecumênico, ou seja, aquele que acontece entre as confissões cristãs, há ressalvas por parte da teologia do medo, imagine se não o haverá ao se tratar com religiões não cristãs. Diante dessas, geralmente, a postura se dá, de maneira ‘tolerante’ no discurso e ‘proselitista’, na prática. (Claramente, aqui, também poderíamos incluir aqueles e aquelas que são intolerantes e que possuem uma postura totalmente belicosa, não aceitando nada que seja diferente àquilo que se acredita. Como esses discursos são facilmente reconhecidos, falar sobre os discursos fechados disfarçados de abertos se torna mais interessante).

Tolerante no discurso porque, diante de um mundo globalizado, a fala de que se devem respeitar todas as religiões é bastante difundida, sendo até considerado ‘feio’ não o fazer. Dessa forma, ainda que as outras religiões sejam vistas como ‘erradas’ por grande parte dos membros de uma teologia do medo, na hora de falar sobre elas todos e todas dizem que as respeitam e que elas devem ser consideradas sob o ponto de vista ético e moral, mesmo que nelas não se encontrem nenhum tipo de manifestação de Deus, sendo somente filosofias que não alcançaram um conhecimento verdadeiro a respeito Dele.

Com isso em mente, entra a segunda postura, ou seja, a proselitista. Essa vem porque se considera que todas as outras religiões não cristãs e, em alguns casos, até mesmo algumas cristãs, não são verdadeiras e não possuem a salvação. Por esses motivos, há os que as consideram dentro de um vasto espectro que vai desde ser uma ‘interpretação errônea a respeito de Deus’ até ao de serem ‘enviadas pelo diabo para confundir as pessoas’. Nesse cenário, é tarefa daquele/a que foi alcançado/a tentar converter os membros dessas outras religiões para a única religião verdadeira e perfeita que, logicamente, é aquela a qual o/a proselitista pertence. No caso específico de que estamos falando, o Cristianismo.

Essas posturas, claramente, evitam uma aproximação dialogal com os/as que pensam diferente, fazendo com que os/as adeptos/as de uma teologia do medo vivam sempre em suas redomas de pensamento, o que, sem dúvida, se mostra como prato cheio para charlatães da fé que, a cada dia, crescem nos diversos meios religiosos.

Um pequeno passo para se sair de uma teologia do medo, então, é se abrir para o diálogo com os pensamentos que são divergentes, sejam numa postura ecumênica, seja numa postura inter-religiosa. Ao fazer isso, é possível se admirar com as obras realizadas por Deus nas outras tradições e religiões e engrossar a voz daqueles que, ainda hoje, cantam o hino paulino : ‘Oh profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus’.’


Fonte :

domingo, 11 de março de 2018

Por que muitas crianças não sabem mais rezar?


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 CHILD PRAYING IN PEW
*Artigo do Ir. João Antônio Johas, 


‘São Paulo tinha um discípulo, Timóteo, que apesar de ser jovem, foi colocado como encarregado de várias situações delicadas, como pregar para pessoas que tinham o coração duro, corrigir erros e proteger as pessoas de falsos mestres. Como foi que Timóteo, tão jovem, já se encontrava maduro o suficiente para tais tarefas que o apóstolo lhe encomendava? A própria escritura parece nos sugerir : ‘alimentado com as palavras da fé e da boa doutrina que tão diligentemente tens seguido’ (1Tm 4,6). Essas palavras que se fazem vida. De onde vieram? Talvez aqui encontremos uma resposta para o problema de porque as crianças de hoje parecem ainda menos interessadas em rezar que as de outras gerações.

No começo da segunda carta que São Paulo dirige ao seu discípulo, o apóstolo lembra da fé de Timóteo e lembra que essa fé ‘se encontrava já na tua avó Lóide e na tua mãe Eunice’ (2Tm 1,5). Não estaria aqui o motivo do esmorecimento da fé de muitos? Seja porque os antepassados já não possuam essa fé viva ou porque os jovens já não descobrem nos mais velhos nenhum tipo de valor, de sabedoria de vida, o fato é que a fé, que se transmite de geração em geração, pode se perder nesse salto de gerações.

Um elemento que pode contribuir para essa ‘falta de comunicação geracional’ é a avassaladora velocidade com que a tecnologia entra em nossas casas e toma conda das nossas vidas. Uma criança já está tão familiarizada com todos os apetrechos tecnológicos que muitas vezes seus avós e os próprios pais não conseguem acompanhar. Não se trata de dizer que a tecnologia é boa ou má, mas de evidenciar que muitas vezes ela toma uma dimensão em nossas famílias que não controlamos. Não se sabe o acesso que as crianças têm a conteúdos na palma da mão. E todo esse fenômeno tem uma força, que pode facilmente dificultar as relações pessoas reais (Porque virtualmente todos se ‘encontram’). E a fé, no meio de tudo isso, passa a um plano muito distante, mesmo que pelo WhatsApp recebamos várias mensagens bonitas que falem de Deus.

A fé é uma resposta que se dá a um anúncio de uma Palavra que vem de Deus. Essa Palavra é Jesus Cristo encarnado. Presente na Eucaristia e na vida concreta da vó, da mãe, do pai. Essa fé só se transmite se esse anúncio, uma vez recebido, for passado adiante. E isso parece exigir o contato físico, como diz São Paulo novamente, mas agora aos romanos : ‘a fé vem pelo ouvir as boas novas’ (Rom 10,17). A Palavra de Deus se fez carne, pessoa, e anunciou essas boas novas. Hoje em dia podemos escutar a Bíblia pelo celular, mas não parece ser a mesma coisa. Se essa Palavra não está encarnada, como estava na mãe e na vó de Timóteo, ela não pode dar frutos porque ‘não caiu na terra e morreu. Todos esses aparatos tecnológicos podem ajudar para que essa semente da palavra que foi plantada (realmente, fisicamente, pessoalmente) cresça, mas não pode substituir o contato real com outros ‘Cristos encarnados’ em nossos parentes e pessoas próximas.

Não tratamos especificamente das crianças, mas com o que foi dito parece evidente que se as crianças não sabem mais rezar direito é porque todo esse processo de encarnação de Cristo, anúncio da boa nova, escuta e fé tem tido seus problemas atualmente por conta da virtualização do mundo real. Assim, nos colocamos ao lado do Papa Francisco que costuma pedir, sempre que tem a oportunidade, que os jovens se sentem aos pés de seus avós, que os escutem, que descubram a riqueza de suas vidas e os valores perenes que eles encarnam. Isso tem muito mais valor do que qualquer texto que se possa ler ou curso de formação na fé que se possa fazer.’


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sexta-feira, 9 de março de 2018

Pai-nosso, a oração dos cristãos


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 A oração do Pai-Nosso é o resumo de todo o Evangelho e o modelo por excelência de toda oração cristã.
*Artigo do Padre Rodrigo Ferreira da Costa, SDN


‘A oração é um privilegiado lugar onde cultivamos a amizade com o Senhor. Ela brota do mais profundo do nosso coração, na esperança viva que há um ‘Interlocutor’ que nos ama e conhece todo o nosso ser. ‘A oração consiste na comunhão continuada com Deus, com quem se está sempre em diálogo, a quem se escuta em cada instante do dia e a quem se procura responder com a mais total transparência e desejo de ser obediente. Existem momentos específicos, ao longo do dia, para se entregar à oração. Entretanto, ao se dizer o ‘amém’ final, a vida de oração não fica em suspenso até o próximo momento, em que se deixará tudo para ficar a sós com Deus. Antes, ela continua e, em determinadas circunstâncias, no auge da ação, poderá acontecer de forma até mais intensa e comprometedora’ (Jaldemir Vitório).
Jesus foi um homem orante. Ele estava sempre em diálogo com o Pai. Nos momentos decisivos de sua vida e de sua missão, sempre O encontramos em oração ao Pai.  Ele, porém, não se preocupou em ensinar longas orações aos seus discípulos. Para Ele, a oração mais eficaz é aquela feita na intimidade do coração, numa experiência de total gratuidade, num diálogo amoroso e filial com o Pai, sem a necessidade de repetir longas fórmulas somente para ser visto pelos outros. ‘Quando fores rezar, entre no teu quarto, (no teu interior, no mais profundo do seu ser, onde somente Deus habita), fecha a porta (entrega sua vida nas mãos de Deus, coloque Deus no centro da sua oração, dê espaço para que Deus possa ser Deus na sua vida) e reza a teu Pai em segredo. E teu Pai, que vê o escondido, te pagará’ (Mt 6, 6). Não que Jesus quisesse uma espiritualidade intimista, desligada da vida, mas, para Ele, as palavras que saem dos nossos lábios devem estar em sintonia com o nosso coração e a nossa vida, numa misteriosa correspondência entre as profundezas do coração e as alturas do céu.
Os discípulos de Jesus observavam o seu jeito de falar com o Pai e, certamente, percebiam algo novo em sua oração, por isso pedem a Jesus que os ensine a orar (cf. Lc 11,1). Não que eles não soubessem as orações judaicas. Os salmos, por exemplo, eram a oração comum dos judeus. Mas eles queriam aprender dos lábios do Mestre esse jeito novo de falar com Deus. Então Jesus, partindo da sua própria experiência de oração, ensina os seus discípulos a falarem com Deus-Pai na liberdade de filhos e na responsabilidade de irmãos.
A oração do Pai-Nosso é o resumo de todo o Evangelho e o modelo por excelência de toda oração cristã. Enquanto filhos no Filho, pelo batismo, podemos nos dirigir a Deus como Pai, e, sendo Pai, é também Senhor de nossas vidas. Por isso, o nosso maior desejo deve ser pela vinda do Reino e que a vontade de Deus, que é vida plena para todos, se realize no mundo. Essa perspectiva da vinda do Reino de Deus une as duas partes da oração ensinada por Jesus. Pois sendo todos filhos de Deus-Pai, somos chamados a viver a fraternidade de irmãos (cf. Mt 23,8), repartindo o pão entre todos e vivendo relações de perdão e misericórdia para com o nosso próximo. Pois esquecer o outro ou fazer-se indiferente ao rosto que fala é ‘aprisionar a glória de Deus’ (cf. Rm 1, 18-20). Como afirma Dietrich Bonhoeffer, ‘a minha fome é uma questão biológica, a fome do outro é uma questão teológica. É um apelo de Deus, tenho que encontrar Deus saciando a fome do outro’.
Os discípulos pedem a Jesus que os ensine a orar, mas o Pai-Nosso é mais do que uma oração, é, na verdade, o modo de viver e agir como seguidores de Jesus. Como nos recorda um antigo adágio da Igreja ‘lex orandi, lex credendi e a lex agendi’, isto é, agimos conforme oramos e cremos. Quando rezamos mal, nossa fé e nossa ação no mundo também ficam fragilizadas. Por isso precisamos pedir sempre ao Senhor que nos ensine a orar. Porque, com o individualismo que invadiu as igrejas, nossas orações se transformaram num intimismo egoísta, perdendo a centralidade do Pai e do seu Reino. Nossa oração parece ter deixado de ser uma busca pela realização da vontade de Deus para que Ele faça a nossa vontade. Ao invés de perguntarmo s: ‘Senhor, o que Tu queres que eu te faça?’, nós pedimos : ‘Senhor, o que Tu podes fazer por mim?’ Com isso, a nossa oração deixou ser para nós norma da fé e do agir no mundo, transformando-se num devocionismo vazio e descomprometido.
Faz-se necessário voltarmos a aprender dos lábios de Jesus como nos dirigir a Deus, a fim de que a nossa oração seja sempre mais esse encontro amoroso e gratuito com o Pai, e, estando na presença de Deus na oração, abramos nossos olhos para perceber o sofrimento e a dor dos nossos irmãos e irmãs. Pois ‘seremos tanto mais filhos do Pai quanto mais formos irmãos dos nossos irmãos, dividindo e repartindo com eles o nosso pão e perdoando-lhes as ofensas’ (Antônio Batista Vieira).
Que o Pai nosso que estás no céu nos livre da tentação de uma oração descomprometida com a vida dos pobres e dos sofredores e nos ajude a viver na comunhão com Deus e com os irmãos, repartindo o pão de cada dia e perdoando-nos uns aos outros assim como somos perdoados pelo nosso Pai misericordioso.’


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